Marcelo Mirisola

Nove de maio, onze de agosto

Nove de maio, onze de agosto

A primeira providência foi comprar uma agenda para ela. E deixar os acertos por conta dos desconcertos do dia a dia. Vale dizer: deixar que o inusitado acontecesse à revelia, e se possível manter uma distância segura para que o dia a dia não o paralisasse completamente.

Prisões, açougues e democracia

Prisões, açougues e democracia

A impressão é que o mundo, hoje, sofre de uma síndrome de não-pertencimento, mas a coisa não é tão chique assim. Denominar dessa forma é quase dar uma transcendência para algo que não é coisa alguma. O mundo sofre mesmo de bursite tecnológica, vivemos na era das bolhas digitais. O anacronismo é geral, não são apenas as medalhas e as honras aos méritos dos medíocres que perderam o sentido, os lugares e oráculos do século 20 não existem ou não tem mais necessidade de existir.

O Nelson Rodrigues japonês, só que masoquista

O Nelson Rodrigues japonês, só que masoquista

Queria falar de Junichiro Tanizaki como alguém que vislumbrou um bem-querer em meio ao caos. Não é minha intenção, aqui, tomar um distanciamento crítico nem escrever uma resenha ou algo que o valha. O que desejo é reafirmar a identidade que somente um leitor apaixonado pode ter com os livros que lhe tocaram, já falei disso numa crônica recente publicada na Bula.

Existe amor em Seropédica

Existe amor em Seropédica

Se acredito em Deus e nos seus subprodutos, o diabo incluído, e nas ilusões todas, nos sofismas, nas parábolas, nas elipses e na sabedoria de Salomão, se acredito que a rainha de Sabá atravessou a África durante meses, que se deslocou da Etiópia até Jerusalém somente para conhecer o autor de Eclesiastes e dar para ele, ou seja, se acredito num tesão de três mil anos, as palavras de Salomão continuam vivas, e desafiam a mais contundente e irrefutável sentença do próprio Salomão, filho de Davi.

Cão come cão*

Cão come cão*

Eu tive inveja dos adultos, muita inveja, e muito medo. Não conseguia me comunicar com eles, e criei uma identidade rancorosa que foi meu escudo e minha desgraça, tinha inveja do charme dos adultos e da lubricidade deles. Então fui ficando mudo, dentuço e esquisito, minhas pernas cresceram em desproporção ao tronco, e junto vieram as olheiras. Uma cegonha com adejos de morcego, mais as bochechas inchadas. Era a alma travada que dava as caras. Foi nessa época que a inveja me envergou.