Crônicas

O homem saiu da caverna, mas a caverna não saiu do homem

O homem saiu da caverna, mas a caverna não saiu do homem

Não há monstros maiores do que os comportamentos impensados. Nivelados por baixo, certos instintos primitivos deixam a caverna que há em mim numa plangente sede de justiça. Afundo o corpo na poltrona. Nenhuma equipe de mergulhadores experientes partiu no meu resgate. Estou acocorado na solidão. Minha boca padece seca de palavras. Meus olhos embaçam.

Gente feliz não enche o saco

Gente feliz não enche o saco

Sentei-me, respirando ruidosamente como um animal acuado. Fiquei mirando aquela criatura desagradável, uma mulher madura, vivida, descompensada, uma estranha companhia jazendo no piso do escritório. Ela parecia ridícula. Se pudesse levitar sobre o cenário caótico, é líquido e certo que eu me enxergaria igualmente estrambólico. Tudo parecia teatral demais, surreal demais, um encontro inusitado com péssima sintonia afetiva.

É miserável perder

É miserável perder

Pertenço à deplorável classe dos torcedores saudosistas que ainda acreditam que a melhor defesa é o ataque, e que é melhor perder uma partida fazendo um jogo vistoso do que ganhar mantendo o time na retranca, distribuindo caneladas, espanando a bola para onde o nariz aponta e fazendo gols chorados.

Carta aos órfãos

Carta aos órfãos

Quem destrói a minha vida nunca olhou na minha cara. Quem mata o que eu mais amo me ignora. Dispensa o constrangimento. Sangue derramado de longe não embrulha estômago. A cor, o cheiro, os gritos: coisa dessa gente que sofre tragédia, coisa indelicada. Crime é respingar na mesa onde negociam a impunidade, na mesa onde vendem minha alma sem sequer puxar-me uma cadeira, pois não sei morrer de boca fechada, sem mostrar o indigesto mastigado na garganta.