Crônicas

Crises existenciais de origem duvidosa

Crises existenciais de origem duvidosa

Literatura, facebook, salão de beleza e mesa de bar não são divãs, eu sei, todo mundo já disse. Mas — ditas, escritas, pronunciadas com puro sentimento — as palavras jamais serão em vão, mesmo que elas, eventualmente, de tão ruins, se prestem a todo esquecimento. Ultimamente — peso da idade? — tenho enxergado a vida como se estivesse dentro de um tudo de ensaio (ela, a vida, no interior do observatório).

As cartas inéditas de Freud

“De verdade, minha doce menina: cada linha de sua carta renova em mim o orgulho de ter conquistado você, de poder servir por você. E se existe algo que é capaz de romper este orgulho, isso é a consciência que existe em mim há tanto tempo — você sabe desde quando — de que eu nunca conseguiria perder você, e que é reforçada pela sua carta. Já fui tão rico que é difícil que venha a me tornar ainda mais rico, mas há coisas que eu nunca vou me cansar de ouvir de você.”

Diz-me por onde olhas e te direi quem és

Diz-me por onde olhas e te direi quem és

Haverá olhos bonitos de olhar? A pergunta assoma neste instante. Donos de brilho repentino, luz clara, safra guardada na adega das recordações-de-todo-o-sempre. Normalmente nossa curiosidade visual fareja dissimulados esconderijos da rotina. Segredos trancafiados em gavetas do vizinho, que pretendemos expor a qualquer custo. Olhos esfaimados, dentados, vorazes e sanguinolentos, visando encontrar no ziguezague de filas intermináveis diante do filme de estreia, uma vaga esperta para se enfiar sem ser notado.

Dez culpas esfarrapadas

Dez culpas esfarrapadas

Ante a imensa ignorância vicejante na humanidade, esta se trata de uma das desculpas esfarrapadas mais utilizadas quando algo vai mal ou dá errado. É desculpa boa de se dizer quando resta quase nada a se dizer. Aceitar decessos e falências como situações plausíveis já seria o suficiente, mas… Não. Há sempre que se imputar a culpa a algo ou alguém: o mordomo, o gato preto, a casca de banana, a falta de palmadas nos filhos, a internet, as redes sociais, a preguiça do baiano, o médico cubano, a alergia à lactose.

Quando a máquina trava, a vida liberta

Quando a máquina trava, a vida liberta

Três e meia da manhã. Dezenove horas depois do início da lida diária, a pobre diaba mofando no trabalho insano, em alguma sala acesa de um prédio comercial obscuro, assiste estarrecida a uma tragédia: o maldito computador decidiu travar. Em sua insônia compulsória, a mulher sozinha e esgotada inveja a tela negra desabada em sono profundo. Queria dormir. Dormir até esquecer o próprio nome.