Crônicas

Nós e nossa sublime alegria de não saber

Nós e nossa sublime alegria de não saber

A menina que hoje brinca com a comida e as próprias meias não sabe, mas ela sorri quando olha na claridade as partículas de poeira flutuando, brilhantes como estrelas caseiras, enquanto sua mãe passa uma vassoura na sala. Não sabe que a saudade corriqueira que tem do pai durante o dia é um sentimento que só vai aumentar com o tempo, o nariz e as orelhas de cada um. Ela não sabe que um dia vai ter saudade do que já foi, do que ainda é e até do que — quem sabe? — um dia poderá ser.

O homem não tem poder sobre nada enquanto tem medo da morte

O homem não tem poder sobre nada enquanto tem medo da morte

As pessoas não sabem que perderam suas asas desde que colocaram os pés nesta terra. Elas perseguem o definitivo, o concreto, o seguro e o assentado, logo que aterrissaram neste planeta. As únicas mudanças aceitas, durante sua trôpega, minguada e inexpressiva existência, residem no meticuloso planejamento financeiro do seu cotidiano mesquinho. Ninguém se dá conta, porém, de que quanto mais nos rendemos ao fascínio daquilo que consideramos como poder, mais nos afastamos da nossa tão sonhada e pouco tangenciada liberdade.

Melhor isso do que nada

Melhor isso do que nada

Os mesmos petistas que não abrem mão do Sírio, consideram que os cidadãos de lugares ermos e das periferias das grandes cidades devem se contentar com equipes mal remuneradas ou sem direitos trabalhistas (ou as duas coisas juntas), em lugares sujos, sem a mínima estrutura. Por qual argumento? Melhor isso do que nada. Esses são lugares que já não têm médicos mesmo, e as doenças mais comuns não precisam de estrutura. Então, segue o argumento, melhor um médico sem diploma revalidado, num posto de saúde sem estrutura, do que nada.

Um dia o mundo há de acordar nas mãos de uma criança que dorme

Um dia o mundo há de acordar nas mãos de uma criança que dorme

O estadista sobe ao plenário de um importante encontro de líderes mundiais com um nó na garganta. Um instante atrás, antes de deixar sua casa rumo à rodada de negociações repleta de homens e pautas que definirão a sorte de milhões de pessoas sem rosto e sem nome, ele tinha visto seu filho pequeno dormindo. A lembrança de sua cria descansando segura, tranquila, alimentada e aquecida ocupara sua cabeça durante todo o percurso até o auditório onde a imprensa internacional se acotovela ansiosa.

Crescer é aprender a dizer adeus para certas coisas

Crescer é aprender a dizer adeus para certas coisas

Aprende-se a viver mais de mansinho, a morrer sem estardalhaço, a trocar a costumeira arrogância por duas doses de humildade. A trancar mentiras feias nas gavetas da consciência. Aprende-se a buscar rotinas mais éticas, um corpo mais harmonioso, relações mais mágicas e férteis, no amor e no trabalho. Aprende-se a dançar um tango vertiginoso, embebido em estrógenos e testosteronas que circulam sem parar pelos salões da tentação.