Crônicas

Eu não mereço ser encoxado

Eu não mereço ser encoxado

Quando me dei conta, tinha um sujeito bufando atrás de mim, e não era um zagueiro de futebol fazendo uma marcação homem a homem, embora, admitamos, a vida é um jogo escroto. Aconteceu que eu viajava em pé dentro de um metrô lotado quando, sem que eu percebesse — juro por Deus, prezados ateus! — um camarada esfregou-se pra valer na minha mochila de couro de ornitorrinco (suponho que, na confusão do aperto, o folgado supusesse que a tal mochila não era uma mochila, se é que me entendem) ao ponto dele ouvir os sininhos dobrarem e quase acender um cigarro dentro daquele compartimento infernal hermeticamente fechado, o qual os gestores públicos chamam, cinicamente, “meios de transporte em massa”.

A esperança é a primeira que vive

A esperança é a primeira que vive

Ah… pessoa amiga! Bom ver você aqui. Andei longe, enfiado em caminhos por onde se encontra tudo menos gente como você, correta, valente, cheia de vida. Andei por baixo, mirando os desenhos e as ranhuras do chão, varrendo as calçadas com os olhos. Parti ladeira abaixo buscando sei lá o quê, fugindo já não sei de quem. Arrastei a alma vazia no asfalto, feito saco plástico levado pelo vento, e caí em tantos buracos quanto os passos que dei, passos maiores que as pernas tomadas de câimbras e ansiedade.

O coração anda molhado. Mas a boca está seca

O coração anda molhado. Mas a boca está seca

Muitos de nós vivem com o peito mais encharcado que roupa esquecida na máquina de lavar, com a torneira aberta. Mais inflado que chester do almoço de domigo.Tem afeto chorando lá dentro, declaração de amor enxovalhada. Raiva presa com rolha na garganta. Desejos desnutridos. Saudade e lembranças mergulhadas em um balde de água sanitária. Tudo para esquecer, eliminar manchas de experiências marcantes e sensações da história pessoal.

As cinco maiores balelas que são ditas ao pé da cova

As cinco maiores balelas que são ditas ao pé da cova

Eis o Top Five das balelas que são ditas ao pé da cova, enquanto os canalhas descem ao forno da mansão dos mortos, para ocuparem canaletas justas obviamente preparadas para que de lá jamais escapem, ainda que alguém por eles clame, discurse e chore. Nesses casos — creiam — as lágrimas e as palavras não valem o defunto.

Não existe nada de óbvio na proibição da ‘cultura do estupro’ em nosso País

Não existe nada de óbvio na proibição da ‘cultura do estupro’ em nosso País

A pesquisa do IPEA, infelizmente, revela que o respeito à liberdade sexual da mulher, enquanto patamar inarredável do projeto de sociedade tolerante que o Estado Democrático de Direito visa a edificar, não é “fácil de ver”, não é “fácil de entender”, não é “fácil de descobrir”. Para a maioria da população brasileira, não “salta aos olhos”, não “salta à vista” que uma mulher não merece ser estuprada. Tampouco se pode considerar claro, manifesto, evidente que um dado aparentemente simples — como a roupa que se veste — não justifica a hediondez do sexo forçado, não consentido.