Crônicas

Quando quiser ser ouvido não grite, silencie

Quando quiser ser ouvido não grite, silencie

O silêncio é uma lacuna passível de ser mal interpretada. O mais instigante é não saber o que ele significa exatamente — se é indiferença, cansaço, dor, medo ou se é alguém tentando nos esquecer. O silêncio que perturba é aquele que mais coisas diz. Há silêncios que respondem aos tolos: calam os opositores, desbancam os argumentos dos conflituosos insistentes. Há silêncios feitos para a alma respirar: permitem que o tempo traga respostas contundentes. Há silêncios que são covardia: vêm dos que não se resolvem, dos escorregadios, dos fugidios, dos que não se encaram de frente.

Palavras não dizem muito. Atitudes dizem mais

Palavras não dizem muito. Atitudes dizem mais

Não é sempre, mas, de vez em quando, a voz do povo acerta o gol em cheio. Diz um provérbio chinês “há três coisas que não voltam mais: a flecha lançada, a palavra dita e a oportunidade perdida”. Aqui no Brasil, diz-se que “quem fala demais dá bom dia a cavalo”. Do Oriente ao Ocidente, a sábia voz dos filósofos populares já compreendeu que a verborragia costuma trazer pouco resultado.

Como sobreviver a um pé na bunda

Como sobreviver a um pé na bunda

J. apareceu assim, como imagens em sonhos, um pouco fora de foco. Desconfiei dos meus olhos. Desconfiei do vazio do meu coração. J. estava lá. Em minha frente seu sorriso me perturbava. Provocava-me a sua beleza ainda não descoberta. Inflamavam-me sentimentos de dúvidas, incertezas e encantos a serem descobertos. Logo depois da primeira mirada, procurei-a no meio da multidão. Não era capaz de reconhecer novamente seus olhos, a memória traía meus sentimentos. E a memória nunca me traíra antes. Seria ela especial? Fascinante? Fascinada? E algumas horas se passaram até reencontrá-la. Primeiro encanto. Mas ainda continuaria em dúvida.

Diz-me como tratas o garçom que eu te direi quem tu és

Diz-me como tratas o garçom que eu te direi quem tu és

Eu me vingo do mundo com os intestinos. De tal forma que eu tive que encarar o toalete deplorável daquele boteco. Não dava pra adiar. Estava sendo chantageado por uma mulher, e isso me dava cólicas terríveis. Não me venham com feminismo de araque. Podia ser um homem, só que, no caso, era uma mulher. Simples assim. Por que a dita-cuja me chantageava não lhes diz respeito. Só comentei o fato para contextualizar: eu andava estressado à beça e isso fazia com que minhas tripas sofressem.

Ao meu pai, que se foi, meu muito obrigado para sempre

Ao meu pai, que se foi, meu muito obrigado para sempre

Lembro bem do dia em que o céu ganhou uma estrela solitária. Era véspera de uma data especial, algo que para a maioria dos familiares deixava tudo mais difícil. Não para mim. Naquele dia em que ele foi embora, vi um embate de uma jornada de duas décadas e alguns anos se findar. Recusei veemente durante toda a vida os fortes e profundos traços que minha personalidade (e rosto) trazia do meu pai. A psicologia explica: não queremos ser parecidos com os nossos pais, essa figura de autoridade incompreensível e, por vezes, interpretada por nós como ultrapassada. A maturidade muda isso — ou um grande e surpreendente acontecimento.