Crônicas

A vida é sopro sorrateiro que anuncia implacavelmente como somos frágeis

A vida é sopro sorrateiro que anuncia implacavelmente como somos frágeis

De repente o fôlego acaba. Na pane elétrica do avião de última geração, na estrada pouco iluminada, no tumor repentino, na bala perdida. Acaba para os que ostentam músculos e corações fortes e para os que agonizam seus corpos magros sobre macas improvisadas. Para os que rezam e os que não creem, para os que doam alimentos a comunidades pobres e os que desviam dinheiro de merenda, para os que saíram de casa em busca de troféus e os que foram comprar pão. Acaba para os que gostam de viver e para os que consideram a jornada um martírio. De repente a luz se apaga sem cerimônia, negando a cortesia de anunciar-se previamente para que você possa beijar quem ama, cuidar das plantas e rever orgulhos.

A amizade entre primos carrega uma história que o tempo e a distância não conseguem apagar

A amizade entre primos carrega uma história que o tempo e a distância não conseguem apagar

Durante minha infância e adolescência, quando chegava a época do final de ano, meus irmãos e eu ficávamos eufóricos à espera dos primos. Foram várias as vezes em que nos sentamos, durante horas, na garagem de casa contando os carros que passavam na rua. Nossa contagem só terminava quando o carro do nosso tio estacionava. Alguns dos primos, víamos com certa frequência. Porém outros moravam longe. E, naquele tempo sem e-mail ou aplicativos, a comunicação entre nós era feita pelas cartas que escrevíamos e por telefonemas nos dias de nossos aniversários.

Pensam-se absurdos quando a morte lambe os calcanhares

Pensam-se absurdos quando a morte lambe os calcanhares

Quando Roberto começou a quebrar a mobília do consultório todos pensaram que ele estivesse ficando doido. Não estava. Tinha algo parecido com um ouriço-do-mar crescendo e se assanhando dentro dos seus miolos, quase ninguém sabia, não era por menos que se sentia mareado, melancólico, com saudades do mar e das marés, imbuído de uma vontade doída de se mudar, de morar numa cabana de palha na praia, para sair todos os dias de madrugada com amigos pescadores de todas as idades, a fim de fisgar com as próprias mãos os peixes que ele mesmo haveria de limpar, preparar e comer para se manter vivo nesse mundo-de-meu-deus.

A casa de Proust na ‘busca’ de um amigo: quase uma crônica

A casa de Proust na ‘busca’ de um amigo: quase uma crônica

Proust me conhece, e me conheço mais por ele do que por qualquer pessoa que tenha passado pelo meu caminho, mas não porque ele me disse quem sou, e sim justamente pelo contrário. Ele me mostrou como nunca saberei quem sou, porque jamais estarei pronto: serei sempre um breve projeto de gente, arrastando-me, derramando-me, até me perder — caso não haja arte — no tempo.