A vida começa quando decidimos parar de agradar a plateia

A vida começa quando decidimos parar de agradar a plateia

É certo que a arte imita a vida. Muitos vivem quase que exclusivamente para atender às expectativas do público, seja por uma questão de vaidade, jogo exibicionista, ou porque acreditam dever constantemente ao outro a condição de servir — sob o custo da angústia e do desespero diante da anulação da própria existência. Aquele que faz tudo para agradar a todos enquanto se desagrada sentirá, cedo ou tarde, o arrombo no peito tomado por um vazio existencial.

Fomos comemorar a vitória de Donald Trump num prostíbulo

Seria ótimo que vocês, observadores imunes aos caos da ficção, lessem isso aqui ao som de “Harlem Shuffle”, dos Stones, no volume máximo, por obséquio. Era o mínimo que poderiam fazer por mim. Pra meterem logo o pé na jaca, pra entrarem com tudo no clima da história, pra embarcarem na trama, pra sentirem o cheiro de suor, de porra e de bagana, pra imaginarem aquela penca de mulheres nuas e bacanas rebolando dentro de jaulas de mentirinha facilmente violáveis, pra visualizarem em suas cabecinhas o cenário tosco que era aquele muquifo renegado por Deus e pelos órgãos sanitários do município.

Não me espere para o jantar. Fui gostar de quem gosta de mim e não volto tão cedo!

Não me espere para o jantar. Fui gostar de quem gosta de mim e não volto tão cedo!

Dei o fora de repente. Sem aviso prévio, sem fazer as malas. Saí como quem vai comprar cigarro e não volta mais. Tantas vezes a gente avisa que vai embora, ameaça, faz chantagem, mas por medo da solidão não consegue ir. Falta coragem. Prorrogamos a dor da despedida e a agonia que nos assalta só de pensar na abstinência do outro. Aceitamos menos amor, menos atenção, menos carinho, menos tesão, menos cuidado. A gente aceita ser menos, ou quase nada. Até que uma hora a gente cansa. E bate a porta sem dar uma palavra.

É possível passar por uma vida inteira e morrer sem enxergar de verdade

É possível passar por uma vida inteira e morrer sem enxergar de verdade

Aprendi a ver de verdade enquanto olhava para um relógio, esperando consulta médica que ficava cada vez mais distante. Até aquele dia, só olhava, sem nada ver direito. Flagrei o momento exato em que o ponteiro começou a dançar frenético de um lado para outro. Ele ia e voltava entre o décimo sexto e o décimo sétimo segundo de um minuto, aprisionado naquela impertinência de quem não se sabe medíocre. Comecei a caçambar os joelhos entre uma perna e outra da cadeira, com agonia pelo relógio e pela demora.

Um tosco e uma Messias com laivos de Al Capone

Eleições nos Estados Unidos. De um lado, um sujeito vulgar; de outro, uma mentirosa contumaz. Trump é o cara que todos adoram odiar (um cacoete adolescente), mas é, apesar das matérias muito editadas do telejornais, articulado. Sua única ideia realmente estranha é o tal muro; sua construção, porém, poderá eventualmente ser barrada pelo Congresso e pela Suprema Corte. Com a vida vasculhada, descobriram que gosta de mulheres (sem comprovação de ataques físicos, ao contrário do sr. Clinton), usa mecanismos legais para não pagar impostos e tem um corte de cabelo ridículo, muito piorado pelo tom acaju, ofendendo assim o senso estético da intelligentsia.