Das nossas escolhas ficam as saudades e o dia seguinte

Das nossas escolhas ficam as saudades e o dia seguinte

Certa vez, uma moça tirou férias de suas dúvidas e atracou seu barco num lugar distante para assistir ao pôr do sol. O astro dourado cada vez mais se recolhia. À moça, restava contemplar a sua despedida. Quase sempre há alguém partindo de nossas vidas. Ou somos nós que estamos deixando algo para trás. Ela via aquele sol, já quase se pondo, como braços que já a aqueceram nos seus dias de inverno. Ou seus próprios olhos que outrora iluminaram outros caminhos. Vê-lo ir embora lhe dava certa nostalgia, mas ela entendia que chegara a sua hora.

Senta aqui. Eu preciso desabafar com você

Senta aqui. Eu preciso desabafar com você

Olha, tá pesado pra mim. Você me desculpa, mas eu preciso falar. Você mudou demais. Mas não é “mudou”, “mudou”, assim, como todo mundo muda. Você mudou para além da conta. Eu sei, as pessoas se modificam mesmo. Mas você caprichou, hein? É claro que eu não estou me referindo ao fato de você estar muito acima do peso. Não! Isso acontece. Tá bom, eu confesso que não gosto nada desse negócio de você cochilar quando a gente vê televisão. É chato, sim. Você dorme, ronca, baba. Mas vá lá. O que eu não suporto mesmo vai muito além de tudo isso.

Quando não puder mais caminhar, ajoelhe. E tente outra vez

Quando não puder mais caminhar, ajoelhe. E tente outra vez

Tente outra vez. Mesmo que você tenha se perdido, e perdido as forças para seguir o seu caminho. Mesmo quando o ar já não entra nos pulmões, e na escuridão, seus olhos não consigam enxergar sequer um fio de luz. Tente outra vez. Quando as mãos começarem a sangrar, e os pés machucados, em carne viva, não aguentarem mais o calor da terra. Tente outra vez. Quando não resistir mais à dor de um ombro dilacerado, um coração estilhaçado, um corpo triturado. Tente outra vez. E se não suportar mais caminhar, ajoelhe. Engatinhe, rasteje. Mas não desista!

Velhas saudades têm sempre uma nova esperança

Velhas saudades têm sempre uma nova esperança

Um dia acontece. Você acorda, abre a janela e encontra um tempo feio como bronca de filho em mãe, triste, dia de ser só. O céu cor de chumbo é um longo e imenso desamparo, a rua está úmida, mais vazia que a primeira tarde depois do fim do mundo, e você tem um desejo dolorido de voltar à cama, ao convívio das cobertas, ao escuro silencioso da madrugada, ao útero materno.

O amor segundo os cavalos

O amor segundo os cavalos

Aconteceu de manhã, depois de uma noite inteira de chuva, quando toda gente botava a cara de novo na rua para ganhar a vida. Em algum canto escondido do planeta, um homem poderoso e aborrecido com o sinal ruim de sua TV a cabo decidiu dar cabo de tudo: entrou no quartel general a que só ele e outra meia dúzia de deuses tinham acesso e apertou o botão da bomba mais avassaladora já construída. Em questão de segundos, um vírus criado em laboratório a partir do DNA dos quadrúpedes ganhou a atmosfera e envolveu toda a extensão do planeta. Nós, os tão especiais seres humanos, caímos doentes, arrebatados pela névoa sinistra, mergulhados em profundo sono de morte.