Autor: Larissa Bittar

Hoje eu acordei e me certifiquei de que a louça estava lavada para poder emitir opinião

Hoje eu acordei e me certifiquei de que a louça estava lavada para poder emitir opinião

Hoje eu acordei e me certifiquei de que a louça estava lavada para poder emitir opinião. Hoje recebi bombom no trabalho, bombom do meu filho, bombom do marido e conselhos para não comer tudo porque preciso me cuidar. Hoje guardei minha liberdade na mochila e desisti de ir sozinha a outro país ou ao quarteirão mais próximo porque não devo perambular por aí sem ter a tiracolo uma figura masculina que avalize meu direito de não ser violentada.

Reféns do nosso comodismo, viciamos em prazeres rasos

Reféns do nosso comodismo, viciamos em prazeres rasos

Reféns da indisposição de pisar em terrenos distintos dos que nos parecem seguros, reduzimos a vida a um apanhado de situações previsíveis. É como se estivéssemos viciados no conforto que edredons, Netflix e individualismo proporcionam. Dá preguiça de correr 10 km para fortalecer o corpo e de amar mais vezes para engrandecer a alma. Ambos exigem comprometimento e entrega. Desacostumados com o que pede o mínimo de sacrifício, colecionamos prazeres rasos.

Telas de celulares caros quebram facilmente. Relações edificadas em afeto, não

Telas de celulares caros quebram facilmente. Relações edificadas em afeto, não

A gente tem o direito de ter quatro tênis da Nike e ir a baladas nas quais é normal jogar champanhe caro para cima. Mas não foi no shopping nem nessas festas que encontrei o verdadeiro sentido de paz de espírito. Foi no meio do nada e, ao mesmo tempo de tudo, em uma comunidade com cavalos e lhamas, energia renovável, famílias em trajes artesanais e homens com orgulho e gratidão pelo que possuem e por serem quem são.

Os cérebros estão ocos. A empatia foi pro saco. A tolerância virou algo descartável

Os cérebros estão ocos. A empatia foi pro saco. A tolerância virou algo descartável

Não sei dimensionar dor, categorizar discussões como quem coloca etiqueta em potes de plástico. Não sei se grafite é arte, se comprar cachorro é monstruosidade, se fui mais lesada pela direita ou pela esquerda. Se não há consenso sequer sobre se o vestido é azul e preto ou branco e dourado, como esperar um olhar linear sobre todas as subjetividades que nos cercam? Mas é preciso um pouco de disponibilidade em compreender as pessoas e toda a carga de vida que as acompanha. Enquanto insistirmos em pisotear aqueles que fogem dos padrões que sacramentamos como corretos, perdemos humanidade.