Autor: Larissa Bittar

À medida que avançamos, deixamos para trás um bocado de nós

A gente insiste no desejo de abraçar o mundo. Não sei bem se isso é um defeito incorrigível ou uma bonita maneira de reconhecer a enormidade de universos que há para explorar. De toda forma, é inviável. Seja uma vontade infantil dos eternos insatisfeitos com o que possuem ou uma admirável tentativa de não sucumbir à mesmice, não deixa de ser inútil. Não temos braços e fôlego para abarcar a totalidade do que nos falta mantendo, ao mesmo tempo, o que nos sobra.

Essa mania de ter sempre razão vai acabar matando a gente

Essa mania de ter sempre razão vai acabar matando a gente

Discutir é bom. Aliás, só assim a gente abre um pouco essa mente acomodada. Mas discutir só é bom quando estamos tão interessados em ouvir quanto em falar. Há a impressão de que, iniciada a defesa da própria tese, revê-la à medida que as ponderações opostas se mostram mais sensatas é render-se à humilhação. Dar o braço a torcer cada vez dói mais. É como se estivessem em jogo a inteligência e o poder. Perder a discussão equivaleria a perder a própria honra.

Não transfira a seus pais o peso de suas expectativas

Não transfira a seus pais o peso de suas expectativas

Sustentar sobre os ombros o peso de ser invencível não é tarefa simples. Sobretudo quando todos os padrões e convenções sociais alimentam esse ciclo de esforço seguido de culpa fazendo o muito não parecer suficiente. Estipula-se que pais são muralhas que não racham. Não percebemos como é cruel delegarmos a alguém de carne e osso a incumbência de honrar o pedestal em que foi colocado.

Mundo louco: enquanto uns morrem de fome, outros ganham prêmio por ter o cachorro mais fashion

Mundo louco: enquanto uns morrem de fome, outros ganham prêmio por ter o cachorro mais fashion

Vai ver que é porque a gente aprende desde criança que o mundo, como eu disse e repito, não é mesmo pra ser justo. É feito pra ter gente de terno e gente sem sapatos, pra acariciar o coração de quem encontra amor e rasgar a alma de quem sofre o abandono, pra aplaudir os que não honram as calças de grife e humilhar os que deram o azar de flertar com a pobreza. Em algum manual de criação deve estar sacramentado que o mundo é pra ser, sim, desse jeito louco e desleal. Essa engenhoca composta por países marcados pela peste e por concursos que premiam o cachorro mais fashion.

Às vezes é preciso enfiar o pé na jaca. Andar sempre na linha é um tédio

Às vezes é preciso enfiar o pé na jaca. Andar sempre na linha é um tédio

Se é prudente evitar excessos, evitemos o excesso de parcimônia também. Troquemos tacinhas por garrafas. Vez ou outra deixemos de lado palavras moderadas e soltemos palavrões em alto e bom som. Alguns domingos precisam de rodízio de pizza (e depois de dez fatias pode trazer a de banana sim). Em alguma tarde aleatória convém contrariar o chefe. Virar pra direita quando a placa indica a esquerda, sair da festa de manhã direto pra reunião com o diretor da empresa. Viajar de repente, vender a TV pra voar de balão, comprar sete blusas e três sapatos para se arrepender em seguida.