Autor: Larissa Bittar

A vida é sopro sorrateiro que anuncia implacavelmente como somos frágeis

A vida é sopro sorrateiro que anuncia implacavelmente como somos frágeis

De repente o fôlego acaba. Na pane elétrica do avião de última geração, na estrada pouco iluminada, no tumor repentino, na bala perdida. Acaba para os que ostentam músculos e corações fortes e para os que agonizam seus corpos magros sobre macas improvisadas. Para os que rezam e os que não creem, para os que doam alimentos a comunidades pobres e os que desviam dinheiro de merenda, para os que saíram de casa em busca de troféus e os que foram comprar pão. Acaba para os que gostam de viver e para os que consideram a jornada um martírio. De repente a luz se apaga sem cerimônia, negando a cortesia de anunciar-se previamente para que você possa beijar quem ama, cuidar das plantas e rever orgulhos.

É preciso coragem para ser autêntico. Mas só assim evitamos a mediocridade de uma vida guiada pela opinião alheia

É preciso coragem para ser autêntico. Mas só assim evitamos a mediocridade de uma vida guiada pela opinião alheia

Tantos saltos e paetês, e ela ali de rasteirinha, jeans e camiseta branca estampada com a face do John Lennon. O pé não doía, a consciência também não. Era a vantagem de ser a expressão límpida de si mesma, era o bônus por reproduzir na roupa, no jeito e na forma a autêntica versão de suas escolhas. Haveria olhares tortos e murmúrios de recriminação. Mas o incômodo de ser tachada de peixe fora d’água era engolido pela enxurrada de liberdade que lava a alma dos que preferem a contramão da obviedade.

O que o Parkinson e a força de minha avó me ensinaram sobre a vida

O que o Parkinson e a força de minha avó me ensinaram sobre a vida

Há duas maneiras de se encarar o fim. Uma é morrendo. A outra é recusando a primeira. Minha avó escolheu a recusa e tem bancado a escolha. Há 20 anos minha família se viu obrigada a conviver com a palavra “degeneração”. A nós, no entanto, foi destinada a parcela menos severa do problema. Minha avó foi forçada a aceitar a convivência de fato dolorosa. E aceitou. Não se trata de resignação. Esse termo não combina com quem resolveu lutar todos os dias pela vida, como se esta ainda fosse uma opção divertida. Mas até em gente assim, que consegue animar a mente enquanto o corpo dá adeus, o Parkinson é avassalador.

Ao tratar com ternura a luta do outro, a nossa fica mais leve

Ao tratar com ternura a luta do outro, a nossa fica mais leve

A todo momento alguém espera do mundo o alento que falta. Aguardamos que pesares sejam amenizados pela compreensão alheia, pela boa vontade do outro em preencher com graciosidade buracos incômodos. Que bom seria se a cada dia ruim encontrássemos pelas ruas sorrisos sinceros, se para cada briga em casa houvesse uma praça com pipoqueiro simpático e balões coloridos. Por toda parte, porém, há gente passando por males e tropeços. No nosso egoísmo ora proposital, ora inconsciente, ditamos a regra do jogo como juízes de um time só.

‘Deixar para amanhã’ é a maneira mais eficiente de jogar a vida fora

‘Deixar para amanhã’ é a maneira mais eficiente de jogar a vida fora

Não se trata aqui de um passeio trivial que não aconteceu ou da minha falta de vitamina D, que tem me prejudicado. Trata-se do hábito incorrigível que muitos temos de adiar felicidade como se a vida estivesse sempre disposta a nos devolver no futuro os momentos que hoje negligenciamos. O problema é que se por um lado a vida é generosa e oferece a possibilidade de recomeço, por outro ela é implacável quando resolve dizer: passou. Já era.