Autor: Eberth Vêncio

Não adianta limpar os pés se vai pisar meu coração

Não adianta limpar os pés se vai pisar meu coração

Adão foi o primeiro. Mordeu-me a maçã do rosto. Então, quebrei-lhe as costelas que ainda restavam usando o mesmo fórceps com que fui extirpada do seu tórax de macho alfa-dominante. Por justa causa — eu reconheço — fomos expulsos do Paraíso (Motel Paraíso, 666 Jardim do Éden — Cidade do Pecado). Não seja besta. Numerologia não me assusta. Babaquice, sim. Começava ali a minha saga em busca de um amor que valesse a pena. Eu não me dispunha a ser uma espécie de mulher objeto, sujeita a homens abjetos que me colocassem num pedestal, numa estante ou para desfilar montada numa glande.

Com que sonha a geração Z?

Com que sonha a geração Z?

Diz-se que a geração Z é constituída pelos nascidos a partir dos anos 1990. Sua principal característica é a conectividade. São familiarizados à internet, aos smartphones e aparelhos afins, e não concebem a vida sem isso. Não. Essa turma não se interessa em sair para pescar. Eles são elétricos, inquietos, velozes, impacientes e se estressam noutro nível. São os nativos digitais. Podem fazer tudo pela tela de um telefone celular, inclusive ligar pra uma pessoa e dizer que sente saudades. Saudade: sentimento de gente fraca e desconectada? Com que sonha, afinal, a novíssima geração Z?

Que saudade do colo da minha mãe

Que saudade do colo da minha mãe

Quando ela disse que queria sumir, que queria se matar, eu fiquei muito preocupado. A cena era de fazer dó. Contorcia-se no chão em total descontrole, curvada, encolhida, parecia uma cadela friorenta, um farrapo humano com as mãos na cabeça, em posição fetal. Só que ela era uma mulher de trinta e poucos anos a implorar, nas entrelinhas e de forma miserável, o retorno imediato para a pasmaceira do claustro uterino materno. Achei aquele espetáculo deplorável além da conta, então, fiz de tudo para tentar acalmá-la. Era casada, tinha três filhos e trabalhava na empresa que cuidava da limpeza e manutenção da clínica. Foi a primeira vez que nos falamos pra valer. E nossa conversa doeu.

Eu devia estar contente por você me amar

Eu devia estar contente por você me amar

Eu devia estar contente. Abri o envelope e li as letras garrafais: “Negativo”. Pow! Abri um tinto chileno. Chegou outra carta essa manhã. Ora, com tanta falta de tempo, com tanta informação nas nuvens, quem se presta a enviar cartas? Perguntei se ela ainda me amava ou se já estava farta, e ela fez assim, com o dedo polegar levantado entre as cobertas, apontado para cima: “Positivo”. Aquilo era alvissareiro. As crianças vieram para o feriado prolongado. Desta vez, a melancolia foi curta.

Nalgum lugar do mundo tem alguém que te odeia

Nalgum lugar do mundo tem alguém que te odeia

Nalgum lugar do mundo, nem bem amanhece o dia, tem alguém que te odeia. Pode ser ao teu lado, num boteco imundo ou no parlamento carpetado dum país de primeiro mundo. Notícias como essa jamais descem redondas, eu admito. Exceto os muito bons, todos querem ser amados. Nalgum lugar do mundo tem alguém que pensa em ti, que pensa em te ferrar por uma vida inteira ou por um final de semana, metido dentro de um uniforme de policial ou trajado à paisana.