Autor: Eberth Vêncio

Mesmo errado, o coração tem sempre razão

Mesmo errado, o coração tem sempre razão

Eis uma carta que jamais chegará ao seu destinatário. Estás blindado contra tudo o que aparenta ser razoável. Não me orgulho em escrever-te estas linhas. A frieza e a falta de empatia parecem a tua marca registrada. Registre-se nos baixios da humanidade: apesar de tudo, é horrível odiar-te. Extrais de mim o pior de que um ser humano é capaz. Tudo em ti é cansaço.

A peste é o medo

A peste é o medo

Renasci numa noite de dor. Choviam canivetes, mas, quase ninguém se cortou. Ando muito em apuros, doutor. Os pensamentos em círculo. Não supunha que a carne do corpo também doía por consequência da saudade. Imbricada em tocar a vida em frente, como um vagão a descarrilar dos dedos de Deus, eu já não sei separar o que seja real do que seja imaginário.

Quando toca “Wisky a Go Go”, do Roupa Nova, é hora de dar o fora da festa

Quando toca “Wisky a Go Go”, do Roupa Nova, é hora de dar o fora da festa

A pior de todas as festas, com certeza, é o baile de formatura. Costuma começar às onze — justamente no horário em que vou para cama dormir. O pior é que não tem hora para acabar. É ultrajante que os cerimoniais nos obriguem a vestir roupas que nem sempre gostamos. Tenho aversão a black-tie, por exemplo. Se um dia eu morrer, se me enterrarem vestido a rigor, podem acreditar, voltarei à noite para puxar os pés do indivíduo responsável por tamanha desfeita.

Tem mais miseráveis morando em mansões do que nas ruas

Tem mais miseráveis morando em mansões do que nas ruas

Notei que um sujeito maltrapilho zanzava entre os automóveis. Parecia mais fodido do que o normal. Cambaleava entre os veículos, fazendo caretas e esfregando o polegar contra o dedo indicador. O motorista do Porsche ao lado abaixou o vidro e, sem que eu lhe perguntasse — não gosto de caras exageradamente ricos — comentou que, se dependesse dele, metia logo uma bala na cabeça daquele verme. Com a recente restrição ao uso de neurônios, o governo federal não apenas tinha liberado o verbo como também o porte de armas pelos cidadãos de bem.

No meu tempo era pior

No meu tempo era pior

No meu tempo era pior. Eu não sonhava em ficar rico. Agarrava-me às excentricidades dos projetos para quando eu crescesse: tornar-me um jogador de futebol, atirar-me de um precipício vestido com a capa do Batman, operar o prepúcio, destravar a glande, construir um disco voador, aprender a me tornar invisível. Então, jogava bola descalço na rua. Quebrava os dentes e os ossos. Tomava banhos de chuva.