Autor: Eberth Vêncio

Ninguém tem culpa por amar desse tanto

Ninguém tem culpa por amar desse tanto

Viver é resistência. Quando ele se foi, eu já era um sujeito adulto. Restou claro para mim que ele decidiu desviver à revelia. Foi fraquejando. Foi definhando. Foi se imiscuindo em definhar. Foi amiudando os músculos e apagando as faíscas das sinapses, até perder a conexão com os instantes e lhe faltar voz suficiente para solicitar o obséquio de sucumbir em domicílio, no quarto de sempre, no quieto de antes, quando ainda era vivaz.

Não confio em médicos que nunca examinam

Não confio em médicos que nunca examinam

Bom mesmo era o doutor Pecker que colocava as mãos na clientela sem pressa, malícia e asco. Sobretudo, aceitava o pagamento em bandas-de-leitoa. Decorava bulas, sonetos e até “O Navio Negreiro”, de Castro Alves. Tinha cultura e boa memória. Para tratar pedras nos rins, quebrava os rigorosos protocolos científicos ao receitar os caminhos tortuosos de Drummond.

Desculpa, planeta

Desculpa, planeta

Desculpa, planeta. Ver-te assim adoecido me entristece. A tua situação crítica tira-me o ar, literalmente. É tempo de explosões, de fumaça, de lamentações e de outros pensamentos tóxicos. Desculpa por embalar o presente com camadas plásticas de uma felicidade perecível não retornável.

Temos vagas para perdedores

Temos vagas para perdedores

Temos vagas para perdedores. Não é preciso experiência. Temos vagas para os que vagueiam de queixo erguido, a se fingirem de empedernidos feito as pedras do caminho. Temos vagas para os homens feitos que se aninham fragilizados nos braços magros do esquecimento. Para os que se aquecem com a saliva de um romance. Para os que se perdem em constelações distantes, para além das estrelas fugidias. Para as vadias que, seja noite, seja dia, tremulam as carnes quentes sobre cadeiras frias, em candentes sintomas de abstinência de mais querer o amar.

Vadias melhores virão

Vadias melhores virão

Levantei os olhos, esperançoso como um meteoro viajando a caminho da Terra, e fui pego de surpresa quando uma mulher preta, esguia, monumental, com curvas generosas, carregada com um enorme píton amarelo sobre os ombros, subiu numa das mesas derrubando garrafas, cinzeiros e pílulas azuis, a dez palmos de distância da minha fuça.