Autor: Eberth Vêncio

Felicidade interna bruta

Felicidade interna bruta

Felicidade é ter alta hospitalar e ser recebido em casa pelo cachorro. É descer o morro lambendo um sorvete tipo americano sem ser alvejado por uma bala perdida. Felicidade é a dádiva de quitar uma dívida impagável. É ter a sorte memorável de encontrar a sua alma gêmea sem sequer ter jogado na loteria.

Se a vida lhe der um tombo, aproveita para fazer um duplo twist carpado

Se a vida lhe der um tombo, aproveita para fazer um duplo twist carpado

Eram tempos de servidão à obstetrícia. Atendia uma gestante cujo útero tinha o tamanho de uma fruta de lobeira. Consultava-se comigo há anos, desde os tempos de solteirice. Estava acompanhada por um homem de meia idade que, à primeira vista, supus fosse o marido. Tinha um semblante familiar. Enquanto examinava a grávida e o concepto que crescia feito um coró nas suas entranhas, fiz um exercício mental hercúleo para me lembrar quem era o dito-cujo. De alguma maneira, a presença dele no consultório me incomodava.

Ânus glicosado

Ânus glicosado

Vivia os derradeiros estertores de uma existência calcada pelo trabalho árduo, duro, mal remunerado e pela insignificância absoluta. Em menos de cinquenta anos, eu sequer seria lembrado. Pior que isso: não seria nem mesmo um retrato na parede, conforme descreveu o poeta Carlos Drummond. Naquela altura da vida eu já tinha aprendido que a comparação era a chave da infelicidade.

Em tese, estamos perdidos

Em tese, estamos perdidos

Saudações, estranhos. Por um descaso do destino, estando o dito pelo maldito, vim parar nesse impensável conclave de poetas, andarilhos e outros seres desencantados. Estamos juntos e misturados. Em tese, absolutamente perdidos. Há um consenso, contudo, de que viver nada mais é do que calcular os próximos passos; tropeçar pelo caminho. Em dado momento — eu não nego — caio em contradição pela terceira vez e pressinto o dedo de Cristo testando as chagas das minhas dúvidas.

A vida é doce feito um caramelo

A vida é doce feito um caramelo

O pai concordou que exterminar com chumbinho era mesmo uma atrocidade. No frigir dos ovos, ainda teriam que lidar com o bicho morto, dar sumiço na carcaça antes que os filhos demandassem enterrá-la no fundo do quintal, perto das bananeiras, no cemitério dos passarinhos. Por fim, decidiu embarcar o dogue na Kombi e soltá-lo na periferia da cidade. O que os olhos não viam o coração não sentia.