Autor: Eberth Vêncio

Velha demais para dar ouvidos aos idiotas

Velha demais para dar ouvidos aos idiotas

Não estou gostando nada nada nada dessa história de mamãe voltar a fazer aulas de dança do ventre. Eu sei que isso não é da minha conta, que não posso mandar na vida dela como ela já mandou na minha, um dia, quando fui criança. Se quiser dançar, dance, mamãe. Mas, por favor, se não for pedir muito, ao menos tape o ventre com alguma peça avulsa do seu vestuário de bailarina porque, senão, quem vai dançar sou eu.

Eu podia estar roubando, mas, estou apenas escrevendo poesia

Eu podia estar roubando, mas, estou apenas escrevendo poesia

Mastigo tão poucas vezes. Engulo os alimentos tão precipitadamente. Na autoridade dos seus 85 anos, mamãe, que anda devagar porque já andou depressa, pergunta que pressa é essa, meu filho. Ela adora ouvir Almir Sater. Amo a sua frágil meiguice. Tem Rivotril de sobra no colo dela, dentre outras redundâncias de bem-querer. Nunca me disse com a boca, filho eu te amo. Nem precisava. Calado, leio o que os vincos da sua pele apergaminhada têm a dizer.

Os tamancos da Dorinha

Os tamancos da Dorinha

Paguei a conta no balcão e caminhei até a estação de trem mais próxima. Foi a última vez que nos falamos. Ele não apareceu no diário na segunda-feira. Muito menos, Dorinha. Ficaram desaparecidos até quarta-feira, quando ouvimos pelo Rádio Nacional que o corpo de Nelson Rodrigues fora encontrado dentro de um conto que eu escrevera, num singelo quarto de hotel situado no Leme.

A mancha no tapete parecia mingau, mas, não era mingau

A mancha no tapete parecia mingau, mas, não era mingau

O assalto dos malfeitores guardava similaridades com a intempestiva invasão de cloacas e intestinos grossos aos prédios dos podres poderes em Brasília, pelos radicais da extrema-direita acometidos de cólon irritável. Acreditava-se que os gatunos tivessem permanecido no local durante várias horas, tendo em vista que abandonaram utensílios, como colheres de sopa e caçarolas amassadas, usados para derreter drogas sobre a fervura de uma trempe improvisada com as esculturas de Veiga Valle.

Todo carnaval eu me lasco

Todo carnaval eu me lasco

Estou promovendo a minha autobiografia não autorizada. Espero que vocês aprovem, já que eu não. Prova disso é que a hipérbole se constitui uma figura de linguagem inerente aos apaixonados. Boas doses de exagero e de melodrama não farão mal algum. Todo carnaval eu me lasco. Desde criancinha que eu me lasco. Dentro da barriga da minha mãe, eu já me lascava com aquele tremendo pressentimento de que nasceria num período bombástico da história, em pleno regime militar, ao som do Hino da Bandeira ou de alguma marchinha carnavalesca misógina. Nunca eu queria ter vindo ao mundo na pele de uma mulher.