Autor: Eberth Vêncio

Os homens — estes, sim — deveriam lamber os seus cães

Os homens — estes, sim — deveriam lamber os seus cães

Para o meu cão, deixo o mundo: osso duro de roer. Para o mundo-cão, deixo um esqueleto no armário: resquícios do poeta que minguou em mim. Para os grande cânions, deixo pequenas demonstrações de desespero: os meus latidos de inconformismo a ecoarem, a ribombarem contra as rochas e confundirem os ecos. Para ondas e correntes, deixo as minhas braçadas rio acima.
Para o jardim de inverno, deixo os tais sonhos de uma noite verão. Vocês verão — prezados lírios — que, de tão simplórios, até poderiam ser chamados delírios, ao invés de sonhos.

Sem taxímetros também se vai ao céu

Sem taxímetros também se vai ao céu

Não costumo escrever a respeito dos meus destinos de viagem para não parecer mais presunçoso e metido a besta do que penso. No duro: não sou de vomitar cruzeiros all-inclusive, de me deixar fotografar ao lado de uma centenária torre francesa enferrujada. Melhor seria fazer um selfie com a septuagenária La Belle de Jour. É líquido e certo: Catherine Deneuve e o Rio de Janeiro continuam lindos.

A vida é um sonho pro tolo que vive aqui

A vida é um sonho pro tolo que vive aqui

Vagando nas ruas de São Paulo, tentando chegar vivo em casa, um louco me disse “Cara, eu tô com um palpite, acho que hoje vai chover canivete”. Porra, não acredite nas previsões de um patife! A vida é um sonho pro tolo que vive aqui. Penando dentro de um metrô, mais cheio que um elevador, um velho mudo me disse “Cara, eu vou ter um chilique, uma gestante vai parir no meu pé”. Porra, não acredite nas manhas de um patife! A vida é um sonho pro tolo que vive aqui.

Adeus, leitores. Este é meu último texto fofinho

Adeus, leitores. Este é meu último texto fofinho

Eu também gosto da poesia de Mario Quintana, mas tenho jogado minhas bigornas aos afogados. 90% do que escrevo sou eu ali, escarrado e triste; 10% é só pausa pra descanso. Não sou santo, mas confesso não me sentir muito à vontade mentindo na pauta, na cama, no confessionário, numa batida policial, numa entrevista, nas redes sociais. Pediram-me encarecidamente que eu escrevesse uns textos mais leves, altruístas, daqueles que falam de crianças brincando no playground, de virgens passeando sem malícia com seus esvoaçantes vestidos de cambraia num campo de centeio, de homens apaixonados escrevendo poemas de amor para as amadas.

Se um dia eu morrer, me enterrem com aquele terno de grife que o Dalai Lama me deu

Se um dia eu morrer, me enterrem com aquele terno de grife que o Dalai Lama me deu

Coincidências acontecem o tempo todo. Por exemplo: hoje, eu não quero escrever; hoje, vocês não querem ler. Pronto. Estamos empatados. Viram? Simples assim. Acontece. Por sinal, as coincidências sucedem de tal forma que muita gente debita os ocorreres do acaso a uma espécie de predileção divina, como se os deuses estivessem se divertindo ao nos ferrarem ou, ao contrário, como se eles realmente se interessassem pelos nossos ais. Ora, haja paciência e carneiros no céu! Aquilo ali em cima é apenas uma nuvem em movimento, seus tolos! Está comprovado: os raios e os IDH pífios (Índices de Desenvolvimento Humano) podem cair, sim, nos mesmos lugares. Ou seja, a eletricidade, a estatística, o espiritismo e a pobreza de espírito explicam um quase tudo nessa vida.