Autor: André J. Gomes

Nós e nosso eterno delírio da perfeição

Nós e nosso eterno delírio da perfeição

Ela veio de longe. Chegou caminhando firme, segura, decidida. Trazia em sua bagagem os mistérios do céu e da terra, os códigos secretos, os novos mandamentos, as fórmulas dos alquimistas reveladas. E os entregaria à primeira pessoa que se mostrasse capaz de pequenos gestos de grandeza, demonstrações simples de cuidado com o outro, meras amostras de humanidade e ternura. Era um anjo em forma de moça, enviado das altas esferas ao seio do nosso convívio terreno. Sua missão era muito simples. Polvilhar de poesia divina o nosso bolo humano crescido nas obrigações diárias, confeitado sem grandes cuidados por mãos grossas de pressa e desilusão, como em velhas e empoeiradas padarias de rodoviária.

Nossa estranha e dolorida dificuldade para o perdão

Nossa estranha e dolorida dificuldade para o perdão

É noite alta e eu ainda não preguei os olhos. Não vai. O sono não engata. Amanhã cedo tem trabalho que segue até tarde, como todos os outros dias da vida. Eu preciso dormir, mas é impossível e eu sei por quê. É que o meu coração está pesado e barulhento.Agora há pouco, meu filho de sete anos me fez algo que eu entendi como incabível. Ele me disse “cale a boca” num instante de irritação infantil, egoísta e imaturo como geralmente são as crianças. Eu dei-lhe uma bronca daquelas, gritada, irrefletida, e ele me pediu desculpas, como em geral fazem os adultos de boa vontade.

Recado a quem já se sentiu só

Recado a quem já se sentiu só

Uma hora, lá pelas tantas do dia, da noite, da vida, você vai sentir solidão. Acontece com toda gente. Do bebê mais intocado, chorando um instante de falta da mãe, ao velho mais rescaldado remoendo seus mortos, contando suas saudades em fila indiana, todos haveremos de nos sentir sós.O casal na manhã de seu amor havia pouco sonhava uma cerimônia de casamento, escolhia convidados, mobiliava a casa imaginária, batizava seus filhos que ainda virão.

Porque um dia estaremos mais perto uns dos outros

Porque um dia estaremos mais perto uns dos outros

Um dia estaremos mais perto uns dos outros. Não importa quando e nem como. Mas nós seremos mais próximos do que somos hoje. Nesse dia, estaremos para além de qualquer classificação superficial. Seremos mais que certos ou errados, pobres ou ricos, brancos ou pretos ou vermelhos e amarelos, homens ou mulheres, novos ou velhos. Mais que tudo isso, seremos simples pessoas mais próximas.Ainda que distantes na geografia, guardaremos em nós a lembrança ou o desejo do encontro. E o encontro nada mais será que um pedido assentido e sincero de compreensão.

Sobre aquelas coisas que a gente sabe mas faz questão de esquecer

Sobre aquelas coisas que a gente sabe mas faz questão de esquecer

Você sabe. Uma paixão não tem hora certa para acender e nem tempo exato de apagar. As crianças de colo não têm vergonha de cair no choro quando sentem tristeza, medo, dor e essas coisas que, por sua vez, não têm problema de aparecer sem avisar. Acredite. Quando você está triste ou está feliz, o clima lá fora nada tem a ver com isso. Na praia também chove, e a chuva está nem aí para as suas vontades. Apesar de toda a nossa empáfia, nossa pretensa segurança e nossas patéticas demonstrações de controle.