O filme pelo qual ninguém espera muito, mas que é surpreendentemente bom, acaba de chegar ao Prime Video Divulgação / Lionsgate

O filme pelo qual ninguém espera muito, mas que é surpreendentemente bom, acaba de chegar ao Prime Video

Num universo onde a estética dita o tom narrativo e o gênero se curva à irreverência, “Um Pequeno Favor”, dirigido por Paul Feig, rompe com as convenções do thriller ao fazer do brilho um componente de tensão. Em vez de se refugiar nas sombras típicas do noir contemporâneo, Feig escolhe a luz — não como metáfora de redenção, mas como estratégia de disfarce. Ao embalar a trama com canções francesas e ambientações sofisticadamente solares, o cineasta esvazia a gravidade da intriga para elevá-la a um território onde o mistério se desdobra com charme e malícia. A aposta? Um equilíbrio quase provocador entre o suspense e o deboche.

A engrenagem narrativa se apoia no contraste radical entre duas mulheres: uma espécie de oposição coreografada entre doçura e cinismo. Stephanie, interpretada por Anna Kendrick, vive imersa na lógica da perfeição materna. Seu universo gira em torno de moldes de cupcake, vídeos artesanais e sacrifícios cotidianos — uma rotina onde o amor é medido em disponibilidade e o reconhecimento vem em curtidas. Já Emily, personagem de Blake Lively, parece vinda de uma dimensão onde as regras são outras: seus gestos têm o peso de um enigma, seus olhares sugerem domínio e seus martinis vespertinos soam como rituais de poder. É uma mulher que orquestra sua própria mitologia com elegância e recusa qualquer transparência.

O encontro entre essas duas figuras não gera apenas amizade, mas um campo de tensão magnética. Stephanie vê em Emily algo além da admiração: uma espécie de projeção invertida de tudo o que ela nunca ousou ser. Quando a mulher glamourosa desaparece, o favor trivial — buscar o filho na escola — torna-se o ponto de inflexão de uma espiral vertiginosa. A ausência de Emily transforma o cotidiano pacato da comunidade em um palco de especulação. Enquanto a polícia parece hesitante, a mídia fareja escândalo, e Stephanie, agora com visibilidade crescente, ocupa uma posição ambígua: viúva simbólica, detetive improvisada e celebridade relutante da internet.

Mas o filme não se contenta com o básico de um mistério doméstico. Ele avança para territórios onde o absurdo é apenas mais um ingrediente da lógica narrativa. Ao investigar a amiga, Stephanie revela-se mais astuta do que o estereótipo sugere, rompendo sua imagem inicial com pequenas doses de ambiguidade. A evolução da personagem desloca a ingenuidade inicial para algo mais estratégico, mais escorregadio. A linha entre vítima e cúmplice começa a borrar, e o espectador é empurrado para uma zona onde nada é confiável — nem mesmo o sorriso mais doce.

Feig costura essa história com uma elegância que subverte. Ao permitir que Kendrick e Lively participem ativamente da construção visual de suas personagens, ele legitima a ideia de performance como identidade. Os trajes de Stephanie evocam o universo polido das influencers maternas, enquanto o guarda-roupa de Emily, inspirado nas excentricidades do próprio diretor, impõe uma teatralidade quase hipnótica. Cada acessório — um lenço, um chapéu, uma flor — não é apenas estilo, mas indício de poder. Tudo comunica, tudo engana.

A estrutura narrativa recorre a reviravoltas que flertam com o exagero, mas nunca rompem com a lógica interna da comédia do artifício. Nesse jogo de espelhos, traições e manipulações são orquestradas com ritmo e ironia, apostando na inteligência do público para acompanhar um enredo que simula profundidade com leveza. O filme opera não pela contundência do que revela, mas pela agilidade com que embaralha certezas e questiona rótulos. Tudo é propositalmente inverossímil, e é exatamente aí que reside sua sofisticação.

Em vez de buscar relevância dramática ou contundência social, “Um Pequeno Favor” se instala em um terreno mais instigante: o da insinceridade refinada. Seu valor não está em ser memorável por suas verdades, mas por sua capacidade de insinuar que, no fundo, toda narrativa de amizade e maternidade carrega um lado performático. Entre coquetéis, desaparecimentos e vídeos virais, o que permanece é o olhar desconfiado do espectador — e a sensação de que, por trás de cada favor inocente, há sempre um cálculo inconfessável.

Filme: Um Pequeno Favor
Diretor: Paul Feig
Ano: 2018
Gênero: Comédia/Suspense
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★