Atuação visceral de James McAvoy em mistério inquietante no Prime Video Divulgação / Sixteen Films

Atuação visceral de James McAvoy em mistério inquietante no Prime Video

“Meu Filho”, estrelado por James McAvoy, não se apressa em fornecer explicações ou desenlaces reconfortantes. Sua proposta é mais desconcertante: fazer o espectador caminhar ao lado de um homem cuja racionalidade foi substituída por uma urgência crua, quase animal. O desaparecimento do filho, durante um acampamento nas Highlands escocesas, arrasta o protagonista — e o público — para um território onde os sentimentos não são organizados em frases, mas em impulsos.

Esse não é um thriller convencional. A tensão aqui não se constrói por reviravoltas ou revelações impactantes, mas pela constante sensação de que algo essencial foi perdido — e não apenas a criança. Trata-se de uma história contada com a contenção de quem sabe que o medo mais paralisante não é o da violência em si, mas o da impotência diante dela. O diretor, que já havia comandado a versão francesa de 2017, retoma a narrativa agora em língua inglesa, mas sem diluir a aspereza original. A paisagem cinzenta, os planos silenciosos dos lagos e o isolamento que sufoca compõem um ambiente mais psicológico do que físico — um espelho opaco da angústia.

No centro dessa proposta está uma decisão ousada de encenação: McAvoy atua sem roteiro, reagindo a situações das quais não tem conhecimento prévio. É um experimento arriscado, e seus efeitos são ambíguos. Por um lado, há uma intensidade autêntica nos olhos do ator, uma verdade incontornável nos silêncios, nas hesitações, nas explosões abruptas. Por outro, o enredo se permite deslizes estruturais: cenas que surgem como armadilhas dramáticas e depois se desfazem sem consequência narrativa. Mas mesmo essas inconsistências contribuem para a sensação de instabilidade: o filme não busca coerência externa, e sim veracidade interna.

A ausência de respostas claras, a construção de um protagonista que hesita, falha, se exaspera, e que às vezes parece mais próximo da desintegração do que da resolução, tornam o filme inquietante. O espectador é empurrado para fora da zona de conforto, incapaz de antecipar os rumos da história. Ao invés de oferecer um quebra-cabeças com peças que se encaixam ao final, o filme propõe um mergulho em um estado emocional: confuso, fragmentado, assombrado por uma culpa sem nome.

Essa recusa em organizar a narrativa com os mecanismos tradicionais do gênero se reflete também na ambientação. Não há diálogos explicativos, nem personagens que verbalizam traumas ou expõem seus dilemas. Os conflitos emergem nos gestos truncados, nos olhares desviados, na fricção entre o protagonista e figuras periféricas, como a polícia ou o atual companheiro da ex-mulher. A ausência de linguagem clara torna-se uma linguagem em si. O silêncio é a gramática do desespero.

Há, no entanto, momentos de clareza emocional que se impõem com força. A sequência final, ambientada em uma casa remota, onde o confronto entre os personagens atinge seu ponto máximo de tensão, sintetiza o que o filme tem de mais potente: a colisão entre o instinto de sobrevivência e o colapso emocional. Não é uma catarse, mas um colapso controlado, que deixa o espectador exaurido. Claire Foy, discreta durante grande parte da narrativa, emerge como um contraponto necessário: não como coadjuvante funcional, mas como uma presença firme que impõe sua existência no momento exato em que o filme poderia se entregar à unilateralidade masculina.

Mesmo com um final que sugere pressa e se esquiva de aprofundar os elementos que compõem a rede de crimes infantis — pano de fundo do sequestro —, o filme se sustenta por aquilo que insinua mais do que por aquilo que declara. A ausência de respostas não é um descuido: é um posicionamento. Ao recusar o fechamento tradicional, a obra reafirma sua fidelidade ao ponto de vista do protagonista. Há dor demais para que qualquer explicação seja suficiente. O que resta é o ruído incômodo do que nunca se disse, do que não pode ser reparado.

Nesse sentido, “Meu Filho” funciona como um estudo sobre o colapso da linguagem diante do trauma. Ao colocar McAvoy no centro de um cenário que exige respostas e lhe negar as palavras, o filme transforma a ausência em matéria dramática. E é essa ausência que ecoa após os créditos finais: a ausência do filho, da lógica, da redenção. Uma narrativa onde o silêncio não busca alívio, mas se torna denúncia.

Não se trata, portanto, de um suspense que prende pelo mistério. O que o filme oferece é mais raro: um convite ao desconforto. Ele não entrega o que se espera, mas o que incomoda. É essa recusa em suavizar o que é duro, em organizar o que é caótico, que o torna memorável. Ao contrário de tantos filmes que transformam a dor em espetáculo, este prefere o caminho mais árduo — o da dor em estado bruto.

Filme: My Son
Diretor: Christian Carion
Ano: 2022
Gênero: Drama/Mistério/Suspense/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★