Aclamado há 30 anos, thriller continua a impressionar! Al Pacino, Robert De Niro e Val Kilmer: elenco de peso em filme de Michael Mann, no Prime Video Divulgação / Warner Bros.

Aclamado há 30 anos, thriller continua a impressionar! Al Pacino, Robert De Niro e Val Kilmer: elenco de peso em filme de Michael Mann, no Prime Video

A linha que separa a lei da transgressão raramente é nítida — e quando a lente de Michael Mann se volta para esse território ambíguo, o que se revela não é apenas um jogo de forças, mas uma anatomia precisa da obsessão. “Fogo Contra Fogo” não se sustenta na promessa de adrenalina, embora a entregue com rigor cirúrgico; sua maior entrega é a construção de uma tensão silenciosa, forjada na alma dos personagens antes de qualquer disparo ser ouvido. O filme não é apenas uma história sobre policiais e criminosos. É uma narrativa sobre homens à beira do abismo, movidos por códigos inflexíveis e condenados pela incapacidade de romper com aquilo que os define.

Não há pressa no compasso de Mann. A longa duração do filme não é um capricho, mas uma exigência da densidade que ele deseja construir. Em vez de se render à velocidade que muitas vezes sacrifica nuances, o diretor opta por uma progressão paciente, que permite às camadas dramáticas se revelarem sem ruído. O espectador é lançado a uma Los Angeles opaca e vibrante, retratada não como pano de fundo, mas como extensão do conflito — uma cidade que respira ao ritmo da violência e do desencanto. A atmosfera não é acessório visual, mas presença que molda ações e decisões, conferindo uma gravidade adicional a cada gesto.

Nesse ambiente, Vincent Hanna (Al Pacino) e Neil McCauley (Robert De Niro) não são opostos simétricos, mas versões espelhadas de uma mesma falência emocional. O detetive que se esfarela nos escombros de sua vida afetiva e o ladrão que vive sob a ditadura da disciplina emocional se encontram no ponto cego entre o dever e o desejo. O que os move não é a adrenalina da perseguição, mas a coerência consigo mesmos — uma coerência que cobra um preço alto demais. Na antológica cena do café, mais do que respeito mútuo, há uma compreensão resignada: são dois homens em rota de colisão, cientes de que qualquer concessão à intimidade será fatal. O diálogo, por mais implausível que pareça em termos realistas, tem o peso de uma tragédia anunciada — quase como um prelúdio shakespeariano entre dois titãs fadados ao confronto.

A escolha de Mann de dedicar atenção igual aos dois lados da equação — criminosos e agentes da lei — não tem apenas um efeito narrativo, mas ético. Nenhum dos personagens é utilizado como peça descartável. Ao contrário, cada figura em cena carrega não apenas uma função dramática, mas uma história à parte, um dilema próprio. Val Kilmer, Jon Voight, Amy Brenneman, Mykelti Williamson, Ted Levine, Diane Venora, Ashley Judd e uma jovem Natalie Portman compõem uma galeria de personagens que ultrapassam o status de coadjuvantes. Todos são afetados, direta ou indiretamente, pelo vórtice moral que o filme propõe. O caso de Ashley Judd é exemplar: sua personagem, dividida entre a lealdade conjugal e a sobrevivência emocional, toma uma decisão devastadora que define o tom ético do longa com mais contundência do que qualquer discurso.

A direção de Mann não faz ornamentação gratuita. Não há romantismo na brutalidade, tampouco estilização na ação. A violência é seca, repentina, quase desconfortável — como no assalto ao banco, talvez uma das sequências mais influentes já registradas no gênero, onde o som dos tiros soa mais como sentença do que espetáculo. E ainda assim, o filme reserva espaço para silêncios que dizem mais do que diálogos inteiros, para olhares que carregam a fadiga de quem já desistiu de pedir perdão. Essa alternância entre intensidade e introspecção é o que impede “Fogo Contra Fogo” de se diluir na fórmula dos thrillers convencionais.

Embora o confronto entre De Niro e Pacino seja o principal atrativo para boa parte do público, o impacto do filme transcende o encontro de dois gigantes da atuação. O que realmente se cristaliza na memória é a forma como esses personagens não lutam apenas entre si, mas contra a erosão de suas próprias convicções. Não se trata do “bem” contra o “mal”, mas de dois homens que, ao perseguirem com perfeição aquilo em que acreditam, acabam por destruir tudo ao redor — inclusive a si mesmos. O profissionalismo que os sustenta é o mesmo que os isola, e nesse paradoxo se esconde a tragédia de ambos.

“Fogo Contra Fogo” não pede que o espectador escolha um lado, mas que encare o desconforto de reconhecer humanidade onde normalmente se exige condenação. O duelo entre caçador e presa se dissolve em algo mais inquietante: um espelho em que qualquer um pode se ver, mesmo que não queira. Poucos filmes conseguem caminhar com tamanha firmeza sobre essa linha tão tênue entre ação e contemplação, entre espetáculo e desalento. Michael Mann não apenas dirigiu um filme inesquecível; ele construiu uma meditação sombria sobre a lealdade à própria ruína — e poucos retratos da solidão masculina atingiram tamanha ressonância.

Filme: Fogo Contra Fogo
Diretor: Michael Mann
Ano: 1995
Gênero: Ação/Crime/Drama/Épico
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★