Muito da história de Hollywood deve-se às obsessões de estúdios e diretores, principalmente, mas não só. Intérpretes como Liam Neeson firmaram suas carreiras mediante uma saudável teimosia, o que produções a exemplo de “Último Alvo” atestam com largueza. Neeson parece talhado para encarnar essas figuras meticulosamente situadas entre a vilania e as qualidades que de fato importam num homem, atributos cada vez mais em falta num mundo orientado e premido pelo politicamente correto, golpe que mesmo ele acusa de quando em quando.
Se resistência é a palavra, Hans Petter Moland é a pessoa certa para tomar a frente dos trabalhos. O norueguês sabe exatamente o que extrair de seu protagonista, uma vez que também dispõe de um currículo extenso em histórias que amalgamam suspense, dilemas éticos e o arfante clamor por reparação. O texto de Tony Gayton funciona como um amálgama de quase todos os filmes de ação ancorados por Neeson, mas não deixa no sereno os aplicados coadjuvantes que atravessam o caminho do carrancudo personagem central, que nem mesmo conta com um nome para chamar de seu.
Ser livre é, muitas vezes, a maior das aspirações a que um homem pode se permitir. O sentimento de estar sempre à mercê do juízo de quem nunca se preocupou em calçar nossos sapatos e experimentar na carne nossas dores é um dos flagelos com os quais toda criatura debaixo do sol tem de aprender a lidar, sob pena de perder-se ainda mais numa cornucópia de solidão e mágoa, por mais injustas que sejam as perseguições, as importunações e os achaques. O personagem de Neeson, como sugere o título original, é um pecador em busca de absolvição, e em sendo assim, Moland atribui a ele uma identidade fluida, quase volátil, forjada de acordo com a conveniência da hora e dos que o cercam. Chamado apenas de Bandido, esse homem sombrio é um ex-boxeador que agora trabalha como uma espécie de faz-tudo de Charlie Conner, o mais poderoso gângster do submundo de Boston, além de servir também a Kyle, o filho que pretende sucedê-lo um dia. Quando o expediente chega ao fim, Bandido volta para o quarto que aluga num bairro operário, e espera por novas instruções.
Uma tentativa de suicídio gorada esconde o diagnóstico de Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), doença que garante-lhe no máximo mais dois anos, até que não consiga mais responder de si mesmo, e o diretor vale-se do gancho para incluir no leito da narrativa Mulher, figura igualmente trevosa com quem manteve um romance fortuito do qual adveio uma filha. Neeson compõe com Yolanda Ross e Frankie Shaw um núcleo de afeto por ser restaurado, enquanto a primeira metade quase toda fica para mostrar as decisões miseravelmente equivocadas de Bandido, trazidas à superfície pelos vilões de Ron Perlman e Daniel Diemer. Malgrado Neeson não esteja em sua melhor forma em “Último Alvo” — e a receita talvez já demonstre sinais de esgotamento —, o veterano ainda suporta o tranco razoavelmente. E se postulantes a seu legado já fazem-se anunciar, é porque em alguma coisa ele tem acertado.
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