Há histórias que não se tornam relevantes pelo ineditismo, mas pela capacidade de tratar o já conhecido com honestidade emocional e escuta sensível. “A Lista da Minha Vida” parte de um terreno pisado por tantos outros dramas familiares: a morte de um ente querido, o reencontro com o passado, o resgate de vínculos em frangalhos. Mas é justamente por evitar o exibicionismo emocional que o filme escapa da irrelevância. Em vez de buscar originalidade por contorcionismo narrativo, ele mergulha com serenidade em temas que não cansam de comover justamente porque tocam o que há de mais elementar na experiência humana: o vazio que fica quando alguém parte e a reinvenção possível que brota a partir desse silêncio.
O ponto de partida parece simples: após a morte da mãe, Alex Rose — vivida com uma contenção expressiva por Sofia Carson — se depara com um testamento incomum. Para receber sua herança, precisa realizar os itens de uma lista de desejos criada por ela mesma na infância. O que poderia se desdobrar como uma sucessão de cenas edificantes e previsíveis toma outro rumo. Não há aqui nenhuma pretensão de celebrar uma autoajuda disfarçada de roteiro. O que se vê é o lento desmoronamento de uma mulher que precisa desmontar as defesas erguidas ao longo dos anos para reencontrar uma versão de si que havia enterrado junto com a espontaneidade infantil. A lista não é um roteiro de superações, mas um convite a revisitar feridas mal cicatrizadas e afetos soterrados.
A morte de Elizabeth, interpretada com notável delicadeza por Connie Britton, nunca é tratada como ponto final — tampouco como um dispositivo melodramático. Ela paira sobre a narrativa como uma presença viva, moldando decisões, silêncios e reconciliações. Britton aparece pouco, mas ocupa muito. Sua personagem é, paradoxalmente, o fio que costura a desconexão dos filhos e catalisa a jornada de Alex. A maneira como a diretora insere a figura materna no presente — mesmo após sua ausência física — é um dos acertos mais silenciosos e eficazes do filme.
A encenação não recorre a efeitos dramáticos nem a grandes reviravoltas para comover. Opta, em vez disso, por um ritmo comedido, onde a emoção emerge das entrelinhas e dos detalhes: um gesto hesitante, um olhar suspenso, um silêncio mantido por tempo suficiente para se tornar eloquente. Essa escolha, embora arriscada para os padrões de consumo rápido, contribui para a coerência interna da história. Não se trata de acelerar o luto, mas de permitir que ele ocupe o tempo que precisa. O filme não oferece atalhos, e essa recusa é seu mérito mais nobre.
Carson surpreende ao abandonar os maneirismos que marcam muitos papéis do gênero. Sua atuação não exige declarações inflamadas para revelar conflito. Ao contrário: é no embate interno, quase inaudível, que sua personagem se constrói. Cada cena transmite a hesitação típica de quem não sabe mais se deseja recuperar o passado ou se finalmente aceita perdê-lo. O reencontro com os irmãos — relação marcada por distâncias, omissões e ressentimentos — é retratado com a cautela que define reencontros reais, sem pressa por reconciliações artificiais.
A fotografia acompanha essa sobriedade emocional sem ceder à tentação de embelezar a dor. Alterna tons tênues com luzes mais frias, explorando o contraste entre a infância idealizada e o presente fragmentado. Em momentos específicos, o uso do claro-escuro potencializa os conflitos internos, especialmente nos encontros entre Alex e seus familiares. A trilha sonora segue a mesma lógica: não impõe emoção, apenas a insinua. Quando a música se faz presente, é para ampliar as pausas e reforçar o que não se diz.
Há, no centro do roteiro, uma negação explícita à catarse. As transformações não ocorrem por epifanias ou choques súbitos, mas por desgaste — como se a resistência de Alex ao próprio passado fosse sendo minada aos poucos, até que já não houvesse por que sustentar o personagem que ela se obrigou a ser. É nesse esvaziamento que o filme encontra força. O que se resgata, afinal, não são lembranças felizes, mas a coragem de enfrentar o que foi negado durante tanto tempo.
A estrutura narrativa, embora linear, carrega microtensões bem distribuídas, como se cada item da lista funcionasse não como missão, mas como espelho. Não há um grande segredo a ser revelado, nenhuma verdade oculta que transforme tudo. A revelação é mais íntima: a constatação de que o amor materno persiste mesmo onde antes havia mágoa, e de que a infância — por mais idealizada que tenha sido — pode oferecer pistas sobre o que ainda vale a pena preservar na vida adulta.
“A Lista da Minha Vida” não propõe redenções espetaculares. Seu gesto é mais modesto e, por isso mesmo, mais corajoso: mostrar que, entre a dor e o afeto, é possível construir uma reconciliação imperfeita, mas sincera. Ao invés de finais felizes, oferece recomeços plausíveis. Ao invés de frases prontas, insinua o desconforto do que ainda não está resolvido. E é nesse espaço — entre a saudade e a aceitação, entre o que foi prometido e o que ainda pode ser feito — que o filme encontra seu sentido mais profundo.
O que fica não é uma sensação de encerramento, mas a intuição de que algumas histórias não precisam ser fechadas para fazer sentido. Há vidas que continuam reverberando mesmo quando ausentes — e há dores que, ao invés de serem superadas, precisam apenas ser ouvidas com mais gentileza. “A Lista da Minha Vida” entende isso. E ao compreender, também nos ensina.
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