“iHostage” é mesmo uma história digna de filme. Na noite de 22 de fevereiro de 2022, um homem armado fez reféns numa loja da Apple nos arredores da Praça Leidseplein, no centro de Amsterdã, exigindo duzentos milhões de euros em criptomoedas e uma rota de fuga. Lamentavelmente, o que poderia ser apenas o surto psicótico de um maníaco saiu do controle e tomou proporções de uma pequena odisseia, tão trágico quanto envolvente, graças à direção empenhada de Bobby Boermans, legítimo expoente da novíssima geração de cineastas holandeses.
Boermans faz de seu filme uma produção à altura de “Voo United 93” (2006), “Capitão Phillips” (2013) ou “22 de Julho” (2018), três obras-primas do gênero dirigidas por Paul Greengrass — ainda o maior contador de causos do cinema envolvendo ou grandes tragédias ou acontecimentos que por muito pouco não terminaram dessa forma — sem deixar de imprimir sua própria marca ao recorrer a iluminação baixa, alternância de planos médios e primeiríssimos planos, muito bem-aproveitados pela edição e pela trilha sonora de Mounir Hathout.
Quanto mais tenta aprofundar-se no que efetivamente aconteceu nos bastidores do evento, mais o diretor aumenta em nós a certeza de que havia e há qualquer coisa de muito errado com o capitalismo, sem nunca acenar para o isentismo hipócrita e covarde e sugerir que as vítimas tiveram culpa por seu infortúnio. Nas cenas de abertura, “iHostage” mostra o suspeito entrando no estabelecimento e logo partindo para cima dos clientes. Com uma eficiência incomum para os serviços públicos abaixo do Equador, a polícia não tarda a chegar e as negociações começam. O roteiro de Boermans e Simon de Waal menciona um búlgaro, o primeiro a ter uma noção mais concreta da insânia do criminoso — cuja identidade foi mantida em total sigilo, exceto quanto ao fato de ser árabe —, e Soufiane Moussouli vai ganhando merecido espaço numa narrativa intrincada, na qual seu personagem dá a entender ter sido motivado por uma injustiça.
A trama alcança uma nova perspectiva no momento em que o homem da polícia nas dependências da loja também vai transmitindo ao público suas impressões sobre o que está passando, e pelos olhos dele é que quem assiste pode esboçar conclusões quanto à vida do agressor até ali. Moussouli e seu antípoda, interpretado por Matteo van der Grijn com o grau de persuasão que o papel exige, seguram a audiência até que se esgotem os cem minutos, cabendo a Jasmine Sendar a aura de heroína de Valerie, a policial negra e convictamente disposta a sacrificar-se em nome do que pensa ser justiça. E heroínas são mesmo um tanto ingênuas além do razoável.
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