Você nunca mais vai esquecer este filme — na Max Divulgação / Killer Films

Você nunca mais vai esquecer este filme — na Max

Alice Howland tinha tudo, uma carreira respeitada, um marido que a ama, filhos independentes e amorosos e a perspectiva concreta uma velhice serena. Seu mundo cor-de-rosa começa a desmoronar quando, pouco depois do 50º aniversário recebe o diagnóstico de Alzheimer precoce, na esteira melancólica e aflitiva de eventos como não conseguir lembrar-se do que pretendia dizer durante uma palestra na Universidade de Columbia, onde trabalha como professora de linguística, ou perder-se ao fim de uma corrida pelo câmpus, ou ainda espalhar objetos pela casa e guardar o xampu no refrigerador e ter de ir ao Google para fazer a receita de pudim de pão para o jantar da noite de Ação de Graças. 

Muito do encanto e da poesia lôbrega de “Para Sempre Alice” deve-se à personagem-título, encarnada por Julianne Moore com o rigor e a sensibilidade costumeiros. Versátil, Moore vai de dramas experimentais como “Boogie Nights: Prazer sem Limites” (1997), de Paul Thomas Anderson, no qual interpretou uma estrela pornô, à artista nada convencional de “O Grande Lebowski” (1998), dos Irmãos Coen, mas fica bem mesmo é na pele de mulheres aflitas (e sofisticadas) a exemplo do que se assiste em “As Horas” (2002), dirigido por Stephen Daldry; “Direito de Amar” (2010), levado à tela por Tom Ford; ou “Segredos de um Escândalo” (2023), a cargo de Todd Haynes, sem faltar, claro, “Longe do Paraíso” (2002), também de Hayes, o mais simbólico da lista. Não por acaso, foi com a ajuda de Alice que ela venceu seu Oscar de Melhor Atriz, em 2015, depois de ter aparecido, um quarto de século antes, em “Contos da Escuridão” (1990), de John Harrison.

A adaptação do romance homônimo da neurocientista americana Lisa Genova por Richard Glatzer (1952-2015) e seu parceiro Wash Westmoreland mira Alice e acerta os cinquenta milhões de pessoas no mundo que vivem com alguma doença degenerativa do sistema nervoso, sendo o Alzheimer a modalidade mais comum, para não contar os familiares, amigos e colegas dessas pessoas. Os diretores mantém a essência da narrativa de Genova ao dedicar boa parte dos cem minutos a relação da protagonista com John, Anna, Tom e, sobretudo, Lydia, a caçula ovelha negra que, diferentemente dos irmãos, uma advogada e um médico bem-sucedidos, opta por uma trajetória profissional instável e “menos séria” e se muda de Nova York para Los Angeles firme no propósito de ser atriz. Entrementes, Glatzer e Westmoreland detalham o cotidiano de Alice em Columbia, com suas aulas concorridas, sublinhando a terrível ironia de alguém que dedica-se a estudar o cérebro e seus segredos imperscrutáveis e vive das palavras flagrar-se em constante luta com seu próprio pensamento, um dédalo sem fim onde o léxico parece ter feito morada. Quando é chamada à presença do chefe para explicar por que a classe vem reclamando que não consegue mais acompanhar as aulas, ela conta sobre sua nova condição clínica. E é dispensada.

“Para Sempre Alice” ingressa com louvor no rol de peças cinematográficas que deslindam as muitas gradações da mente que se esfacela, como “Amor” (2012), de Michael Haneke, ou o impressionante “A Teoria de Tudo” (2014), de James Marsh. Possíveis escorregões, feito a iluminação chapada da fotografia de Denis Lenoir ou a trilha quase sinistra e insistente de Ilan Eshkeri, menos perceptíveis no formato 16:9 original, acabam por acentuar a sensação de desnorteio de Alice, que cresce nas interações com John e Lydia. Moore, Alec Baldwin e Kristen Stewart compõem um tríade imbatível, cada qual brilhando a seu próprio tempo e conferindo força extra a um enredo que corre num sombrio paralelo com a vida real: em 10 de março de 2015, seis meses após a estreia no Festival Internacional de Cinema de Toronto, a 8 de setembro de 2014, Glatzer sucumbiu às complicações da esclerose lateral amiotrófica (ELA), aos 63 anos. E isso decerto daria outro ótimo filme.

Filme: Para Sempre Alice
Diretor: Richard Glatzer e Wash Westmoreland
Ano: 2014
Gênero: Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.