Thriller de ação explosivo, com Jason Statham, que vai deixar seus olhos grudados na tela, no Prime Video Divulgação / Miramax

Thriller de ação explosivo, com Jason Statham, que vai deixar seus olhos grudados na tela, no Prime Video

Há filmes que não pedem licença para existir — simplesmente arrombam a porta, explodem as paredes e convidam o espectador a embarcar em uma maratona de excessos onde qualquer tentativa de lógica vira obstáculo descartável. “Beekeeper”, dirigido por David Ayer e protagonizado por Jason Statham, é exemplar nesse quesito. Não trata de uma narrativa que deseja ser levada a sério, mas de uma experiência que celebra a implosão da verossimilhança como ato de fé. Aqui, o nonsense é método, e o delírio calculado substitui qualquer compromisso com coerência dramática.

No centro desse vendaval está Adam Clay, um ex-agente de uma organização secreta batizada com pretensão poética de “Beekeeper” — um nome que flerta com a metáfora e escorrega no ridículo. A missão da entidade? Erradicar criminosos como se fossem parasitas em uma colmeia. O pretexto narrativo para reacender o instinto letal do protagonista é o suicídio de uma senhora enganada por um esquema de estelionato digital. A partir daí, cada passo de Clay é movido por um senso de justiça pessoal que ignora leis, hierarquias e qualquer protocolo que não inclua a aniquilação meticulosa de todos os envolvidos no golpe. A delicadeza da motivação — proteger a memória de uma vizinha idosa — contrasta com a brutalidade ininterrupta que segue, como se a compaixão fosse apenas o gatilho para a fúria irrestrita.

A estrutura narrativa imita um jogo eletrônico: missões sucessivas, níveis de dificuldade crescente, ambientes urbanos estilizados, chefes de fase e uma lógica que premia a força bruta. Clay enfrenta mafiosos, tecnocratas, mercenários e, finalmente, o verdadeiro titereiro do sistema — o filho do presidente dos Estados Unidos, um sujeito tão mimado quanto intocável, blindado pelas engrenagens de um poder institucional conivente. A sátira política é rala, mas o suficiente para justificar o colapso da diplomacia em favor da carnificina. O filme não disfarça sua tese: o mundo está podre demais para reformas graduais; resta apenas a imposição do caos como método corretivo.

Statham, fiel à persona que construiu ao longo das décadas, interpreta um homem lacônico e invencível. Seu Clay não sangra, não hesita, não recua. É uma entidade em marcha, imune à dúvida, incapaz de falhar. Qualquer tentativa de aprofundar o personagem é abandonada em nome da eficiência narrativa: ele existe apenas para eliminar obstáculos. O roteiro reforça essa linearidade com diálogos artificiais, trocadilhos constrangedores envolvendo o universo das abelhas e vilões que parecem saídos de uma paródia involuntária. A agente do FBI, filha da senhora enganada, é inserida na trama como um acessório narrativo, sem função além de reagir às ações do protagonista. Sua presença parece improvisada, sua atuação destoante, e seus figurinos sugerem uma indecisão entre o dramalhão policial e o desfile de cosplay.

Mas seria injusto exigir sutileza de uma história que tem como premissa a substituição da diplomacia pelo massacre. O filme aposta tudo em seu visual — ainda que com altos e baixos. Há explosões coreografadas com esmero, tomadas que abusam da luz de néon para conferir artificialismo sedutor à violência e sequências que lembram, por breves instantes, o dinamismo visual de uma graphic novel. Em outros momentos, no entanto, o orçamento parece limitado: efeitos irregulares e cenas que flertam com o amadorismo técnico comprometem o impacto. A alternância entre a pirotecnia eficaz e a estética duvidosa revela um projeto ambicioso demais para sua própria infraestrutura.

Ainda assim, é na desfaçatez que “Beekeeper” encontra seu trunfo. O filme sabe o que é — e não tenta ser mais do que isso. Há uma liberdade quase libertadora em seu descompromisso com a lógica. A cada cena, reafirma-se a crença de que o espectador ideal não busca coerência, mas catarse. A violência deixa de ser instrumento e se torna linguagem. Clay não representa o herói clássico que pondera ou negocia. Ele é a consequência bruta de um mundo que falhou em se autorregular. Não há dilema, apenas alvo. E a cada novo corpo que cai, reafirma-se a sensação de que a justiça, nesse universo, é uma abstração ultrapassada — substituída pela imposição de um novo código: o da retaliação sem freios.

É possível argumentar que o filme roça o autoparódico, mas o faz sem cinismo. Sua seriedade é tamanha que, em vez de torná-lo risível, o torna estranho. É um produto que abraça o absurdo com convicção, e essa entrega total — por mais incongruente que pareça — produz certo fascínio. Clay liga para alguém e descobre em segundos o esconderijo de um criminoso altamente protegido. Ele invade instalações como quem atravessa uma praça deserta. Sua mira é perfeita, seus inimigos são burros, e a ética que o guia é impermeável a nuance. O ridículo se acumula, mas também entretém.

É improvável que uma sequência traga qualquer tipo de amadurecimento. Os roteiristas podem até amenizar os diálogos ou suavizar os figurinos, mas exigir profundidade desse universo seria como pedir a um martelo que componha uma sinfonia. A função aqui é destruir. E nessa destruição orquestrada, por mais primitiva que pareça, há uma honestidade rara. “Beekeeper” é o espasmo de um cinema que não deseja ser interpretado — apenas sentido como impacto. Um cinema que não propõe perguntas, mas oferece socos. E, para quem aceita esse pacto, há algo de estranhamente satisfatório no caos.

Filme: Beekeeper
Diretor: David Ayer
Ano: 2024
Gênero: Ação/Crime/Thriller
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★