Não há nada de estático em “O Brutalista”. O que se vê em tela não é apenas a trajetória de um homem em busca de chão, mas a materialização de uma inquietação arquitetônica que transborda para o íntimo de uma época. Ao longo de quase quatro horas que resistem ao conforto da linearidade, Brady Corbet constrói uma narrativa que pulsa entre o concreto e o abstrato, onde o peso das estruturas revela menos sobre os edifícios e mais sobre os homens que os concebem. László Tóth, esse protagonista sem correspondência direta no real, é mais do que um arquiteto: ele é um organismo em atrito com o mundo, um corpo estrangeiro arrastado pelo tempo e pela violência de sistemas que exigem adaptação imediata — ou colapso.
Corbet e Mona Fastvold não se contentam com o retrato convencional da diáspora judaica pós-Segunda Guerra. Eles investem numa elaboração estética que provoca deslocamento e imersão, adotando um olhar que desafia tanto o sentimentalismo fácil quanto a iconografia habitual do trauma. László atravessa oceanos e fronteiras, mas carrega consigo a aspereza de uma visão artística que rejeita adornos e abraça o rigor. O brutalismo aqui não é apenas uma linguagem construtiva; é uma ética, uma recusa em negociar com a suavidade. Daniel Blumberg reforça essa pulsação interna com uma trilha sonora que não embala, mas tensiona, enquanto a câmera de Lol Crawley recusa-se a oferecer qualquer conforto visual óbvio, optando por composições que acentuam o desalinho, a dissonância, o desconforto.
Há em László algo de espectral, e é precisamente isso que o torna tão real. Se ele jamais existiu, seus fantasmas estão todos lá: nas linhas severas das construções de Breuer e Kahn, na monumentalidade que pretende eternidade mesmo diante da ruína. O uso do livro de Hilary Thimmesh como espinha dorsal de muitos diálogos não é acidental — trata-se de uma escolha que flerta com a docuficção e sugere que, se a história não aconteceu, ela bem que poderia. Adrien Brody mergulha nessa figura com a precisão de quem compreende o fardo da genialidade deslocada: seu László é um artista da rigidez, mas nunca da frieza. É alguém que, mesmo ao mirar de cabeça para baixo a Estátua da Liberdade — em uma das metáforas visuais mais incisivas do cinema recente —, ainda busca no caos americano um espaço onde possa erguer algo que permaneça.
A relação com o milionário Harrison Lee Van Buren não escapa da lógica paradoxal que governa o filme. O que começa como uma empreitada mercantil cede lugar a uma aliança improvável, quase mística, entre dois homens que, cada um à sua maneira, lidam com os escombros da memória e do pertencimento. Guy Pearce insere-se nesse jogo com um magnetismo de imprevisibilidade, em constante tensão entre o grotesco e o afetuoso. O centro comunitário erguido em homenagem à mãe do magnata torna-se um monumento não apenas à perda, mas à possibilidade de recomeço arquitetada pelo inconformismo. Quando a violência irrompe — e irrompe com fúria — ela não rompe a lógica interna do filme, apenas a intensifica: nada em “O Brutalista” busca conciliação, tudo ali é ruptura convertida em forma.
A longa duração da obra não é capricho; é resistência. Resistência à digestão fácil, à narrativa palatável, ao filme que se encerra em si mesmo. Corbet não pede atenção — ele exige compromisso. E o que oferece em troca é uma experiência estética tão rigorosa quanto recompensadora, um projeto cinematográfico que não teme o hermetismo porque aposta na inteligência e na disposição do espectador. Ao fim, “O Brutalista” não entrega respostas nem epifanias. O que deixa, no entanto, é uma sensação rara: a de que algo foi edificado ali, com dor, convicção e beleza incômoda — e que, de alguma forma, resiste ao tempo.
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