O filme mais adorável do Prime Video chegou da Argentina — e vai ser sua melhor companhia no feriado Divulgação / Amazon Prime Video

O filme mais adorável do Prime Video chegou da Argentina — e vai ser sua melhor companhia no feriado

Há algo de ritualístico — quase religioso — na figura masculina que transita entre balcões e goles como quem busca redenção onde só há mais umedecimento do orgulho. Não é raro o cinema acolher esse tipo, afeito a um hedonismo desencantado que se esconde sob o verniz de charme blasé. Em “Tangos, Tequilas e Algumas Mentiras”, o argentino Diego encarna esse perfil com precisão cirúrgica: um sedutor quebrado, mas ainda convicto de que a próxima esquina trará, senão uma epifania, ao menos uma distração rentável. O longa, refilmagem latina do sucesso espanhol “Ocho Apellidos Vascos”, transita do deboche ao sentimentalismo sem nunca perder o compasso tragicômico. Agora sob a batuta do diretor mexicano Celso R. García, a comédia injeta um tempero mais picante à receita espanhola, transformando o encontro entre Diego e Lu num experimento de caos afetivo e manipulação afetiva temperado com implicância e desejo.

A personagem de Lu é o motor narrativo do filme. Ao contrário do que anuncia entre uma mentira e outra, ela não é a dona do bar onde conhece Diego, mas uma sócia periférica à beira da exclusão — condição que a obriga a inventar versões melhores de si para manter-se no jogo. Dotada de um talento involuntário para a mitomania e de uma lábia hipnótica, Lu confunde interesse com carência, e acaba aceitando um desafio de sua amiga Tatiana que mais parece chantagem emocional: se conseguir fazer o forasteiro apaixonar-se por ela, estará livre de sua dívida com o bar; caso contrário, voltará ao rodapé da hierarquia, reduzida ao papel de garçonete sem trunfos. É nesse ponto que o enredo troca a leveza por um jogo de espelhos, onde atração e estratégia se embaralham sem garantia de desfecho justo.

A trajetória entre a aposta e o afeto real vai ganhando volume à medida que os personagens se enredam uns nos outros como quem tropeça em fios elétricos: tudo que tocam parece gerar faísca. A primeira noite que passam juntos não é um ápice romântico, mas o prenúncio de uma cadeia de mal-entendidos. Lu acorda sozinha, sem rastros de Diego, e o espectador descobre então que o argentino não viajou à Cidade do México apenas para afogar as mágoas — ele planejava expandir sua livraria, mas o fracasso da empreitada reflete sua própria desordem emocional. A ex-noiva, que rompeu com ele por mensagem, ainda ocupa espaço demais em sua mente para que qualquer tentativa de recomeço soe legítima.

Lu, no entanto, também carrega uma armadura rachada. Ela começa o jogo interessada apenas na transação emocional, mas sua farsa começa a ruir quando percebe que a performance não a blinda do encantamento. O cenário se complica com a chegada de Martina — uma matriarca dominadora, nacionalista e empresária do setor de carnes — cuja presença simboliza todos os filtros culturais e morais que Diego tenta negar. O detalhe irônico (e deliciosamente mal explicado) de que Lu, uma vegana convicta, deve conquistar a benção da executiva de um frigorífico, serve como combustível para uma das sátiras mais eficazes do roteiro. É então que entra Tona, ator aposentado e coach informal de sotaque argentino, que ajuda Lu a simular raízes portenhas para ludibriar a sogra em potencial — e aqui o filme se entrega sem pudor à paródia dos estereótipos latinos.

A força do filme reside nesse entrechoque de farsas simultâneas: ninguém ali é exatamente quem diz ser, e cada personagem age como se a verdade fosse um obstáculo a ser contornado, não uma virtude a ser abraçada. É essa permissividade ética, articulada com agilidade narrativa e senso de timing cômico, que permite ao roteiro de Borja Cobeaga, Marco Lagarde e Diego San José escapar das armadilhas da previsibilidade. As interações ganham fôlego com os desempenhos carismáticos de David Chocarro e Cassandra Sánchez Navarro, enquanto Soledad Silveyra e Emilio Guerrero elevam a sátira a um patamar quase surreal, sem perder o fio de humanidade que ancora a narrativa.

“Tangos, Tequilas e Algumas Mentiras” se constrói como um jogo de simulações em que o amor só pode emergir quando a última máscara cai — e não há pressa alguma para que isso aconteça. O prazer está na encenação, nos tropeços linguísticos, nas estratégias que beiram o absurdo e nos afetos que resistem a definirem-se. O filme, ao contrário de tentar ser uma comédia romântica exemplar, prefere se afundar com gosto no território da incongruência emocional. E talvez seja esse o gesto mais honesto entre tantos disfarces: não tentar fazer sentido, mas apenas seguir dançando entre tangos e tequilas, mesmo que todas as mentiras venham à tona.

Filme: Tangos, Tequilas e Algumas Mentiras
Diretor: Celso R. García
Ano: 2023
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★