Filmes que, de uma forma ou de outra, tratam do homem, sua interação com o ambiente e as consequências mais deletérias desse fenômeno — o apocalipse, no pior cenário — já se tornaram o clichê por excelência do cinema mundial hoje. Parece que diretores de todas as colorações ideológicas, que professam fés as mais variadas, com visões de mundo mesmo incoerentes com o ofício de que tiram o sustento são, de tempos em tempos, acometidos de uma descrença fundamental da vida, que, ao menos naquela quadra de sua história, redunda em trabalhos de teor escatológico em maior ou menor grau.
Foi assim com Stanley Kubrick quando da concepção de “2001 — Uma Odisseia no Espaço” (1968); Ridley Scott, que legou à humanidade “Blade Runner — O Caçador de Androides” (1982); e os então Andy e Larry Wachowski, hoje Lilly e Lana, de “Matrix”. O tema é tão rico, e complexo, e trivial, que os três filmes tiveram continuações, cujo impacto, malgrado a evolução tecnológica de recursos como efeitos de computação gráfica e maquiagem, claro, foi infinitamente menor que o dos precursores. Alex Garland trilha o mesmo caminho, e em “Guerra Civil” dá uma mostra de que este é mais um de seus filmes grandiosos, daqueles que fazem questão de passar por cima de qualquer expectativa que o público tenha a seu respeito e ir muito, muito além.
Garland é dos poucos cineastas a serem capazes de subverter a pletora de lugares-comuns que sufocam tais enredos, embora seja precipitado se considerar esta uma moda superada. Saborosamente confuso, seu desnorteante “Guerra Civil” é, decerto, das produções mais originais no ramo. Não nada de mais no que o diretor-roteirista oferece. Num futuro próximo, os Estados Unidos padecem com uma guerra nacional. Uma equipe de jornalistas, entre os quais estão Lee, Joel, Jessie e o veterano Sammy, cruzam o país até a capital, Washington, determinados a entrevistar o presidente, que não cogita deixar o poder mesmo depois de flagrado em lambanças institucionais.
Garland lança de todos os artifícios quanto a prender o espectador numa escala de tensão, manifesta por meio de computação gráfica impecável e dublês experientes, incluindo também críticas ao jornalismo e à polarização política, elementos que dão à história as cores de uma distopia nada distante. A certa altura, os personagens de Kirsten Dunst, Wagner Moura, Cailee Spaeny e Stephen McKinley Henderson acabam frente a frente de milicianos que atiram primeiro e nem sempre perguntam depois; essa sequência já vale o filme, com Henderson num desempenho admirável como um herói inaudito, bem como o desfecho, momento em que Dunst e Spaeny resumem à perfeição o horror dos confrontos bélicos. Com alguma margem para o lirismo.
★★★★★★★★★★