Desejamos o que nos parece inestimavelmente distante porque sabemos que as chances de o alcançar são mínimas. Acatando esse mecanismo, sufocamos aspirações assustadoramente próximas porque elas não se nos mostram instigantes o suficiente, não nos encantam, não conseguem, enfim, cavar espaço num cérebro tomado por pensamentos os mais absurdos, rendido pela tirania da ilusão, subjugado pelo desvario mais eloquente, que não se contenta em mostrar-se senhor das humanas vontades e dos desejos mais comezinhos e pulsa e grita e queima, fazendo sofrer aquele que ousa enfrentar seus próprios medos e as neuroses que deles brotam, como se fossem as larvas de um inseto asqueroso e peçonhento, que não mede esforços para tomar conta de um jardim, seu mundo possível.
Bons faroestes são feitos de personagens imbuídos de um desejo qualquer de retaliação, enérgico o bastante para que se atirem sem medo a uma jornada contra quem desestabiliza a harmonia de sua terra mediante um crime e até macula a honra de sua família com o sangue de um inocente. Há sempre um acerto de contas entre vaqueiros, os sacerdotes profanos e bárbaros da terra, e um inimigo que julgavam sob controle e que, não raro, voltam de algum lugar conhecido. “Ransom Canyon” reproduz a alquimia tão própria dos enredos do velho e bom Oeste, a começar pela natureza primitiva que apenas espelha a austeridade misteriosa e tentadora daquela gente. Baseado no primeiro livro de uma série de dez romances de faroeste contemporâneos de Jodi Thomas, de 2015, a nova série em seis episódios da Netflix é um prato cheio para fãs do gênero, mas agrada também àqueles que só pedem entretenimento instantâneo e benfeito.
Staten Kirkland, o dono do Rancho Double K. Kirkland, um dos maiores do Texas, quer se refazer após a morte da esposa. Quinn O’Grady, por sua vez, volta a Ransom Canyon depois de um temporada em Nova York, para onde fora para tentar a carreira de pianista de concerto, resignada a administrar o salão de dança local. O roteiro de April Blair move-se guiado pela atração e recuo de Staten para Quinn e vice-versa, precisamente como narra Thomas, frisando as diferenças de temperamento deles.
Se por um lado Staten é um sujeito empedernido, que faz questão de deixar claro que é capaz de aguentar calado qualquer sofrimento, sua velha amiga Quinn, embora contida, é toda doçura e sorrisos generosos, ambiguidade que sustenta uma boa medida do que apresenta o quarteto de diretores formado por Amanda Marsalis, Meera Menon, Michael Offer e David McWhirter. “Ransom Canyon” adquire os tons vibrantes de um melodrama familiar envolvente conforme o personagem de Josh Duhamel acusa o golpe de mais uma perda e ergue em torno de si uma carapaça que afugenta Quinn de vez.
Minka Kelly recusa estereótipos ao personificar a imagem da mulher forte, mas ainda assim vulnerável, ao passo que, na pele de Ellie Estevez, Marianly Tejada parece o reverso dessa moeda, uma oportunista com uma inigualável vocação para se dar bem. Com questões agrárias, por pano de fundo, “Ransom Canyon” laça o patriarcado, remexendo também as entranhas de família de texanos rombudos.
Série: Ransom Canyon
Criação: April Blair
Direção: Amanda Marsalis, Meera Menon, Michael Offer e David McWhirter
Ano: 2025
Gêneros: Faroeste/Drama
Nota: 8/10
