Comédia romântica com Angelina Jolie na Netflix é um banho de vida para seu fim de semana nostálgico Divulgação / New Regency Productions

Comédia romântica com Angelina Jolie na Netflix é um banho de vida para seu fim de semana nostálgico

Ela não fala, ela performa. Cada gesto de Lanie Kerrigan parece calibrado por um departamento de marketing invisível que a molda como símbolo de sucesso e, ao mesmo tempo, refém de sua própria caricatura. Seu sorriso não acolhe, mascara. O tom de voz, preciso, não transmite verdade, simulação. Ela não entrevista — ela ocupa o centro do palco. A jornalista interpretada por Angelina Jolie é menos uma personagem que um dispositivo narrativo: criada para parecer impenetrável, ela começa a ruir diante da profecia que, em sete dias, encerrará sua existência. Mas o roteiro, em vez de transformar esse colapso anunciado em matéria densa, opta por diluí-lo em fórmulas que parecem saídas de um manual de autoajuda higienizado.

A proposta inicial — confrontar a efemeridade da vida em contraste com a ilusão de controle — é potente, mas o filme prefere uma rota de mínima resistência. Ao invés de desconstruir o mito da mulher bem-sucedida que “tem tudo”, contenta-se em reposicionar os móveis desse cenário de plástico. Jolie, por sua vez, oferece uma atuação instigante, insinuando a rachadura sob a superfície com gestos precisos e um olhar que oscila entre arrogância e súplica. Mas seu esforço esbarra num roteiro que recua diante da possibilidade de conflito real. O encontro com o profeta urbano, sujo e descompassado, não inaugura uma crise profunda — apenas ativa um cronômetro que servirá de desculpa para uma sequência de decisões previsíveis embaladas por trilha genérica.

Ao emparelhar Lanie com o operador de câmera vivido por Edward Burns, o filme ensaia um contraponto interessante, embora subexplorado. Ele representa o despojamento, o cinismo, o anti-espetáculo. Ela, a embalagem. A química entre os dois, apesar de enredada por diálogos que beiram o didatismo, preserva alguma tensão vital: um jogo entre opostos que poderia ter sido mais do que recurso narrativo para aquecer o romance central. Se houvesse coragem estrutural, o embate entre eles revelaria mais que traços de personalidade — escavaria visões de mundo. Mas o que poderia ser colisão existencial é reduzido a flerte estratégico.

Ainda assim, há uma cena que tensiona o limite do projeto e quase o empurra para uma nova dimensão: o momento em que Lanie, completamente embriagada, canta Rolling Stones diante de uma multidão em greve. Ali, o verniz se esfarela. Pela primeira vez, a persona dá lugar à carne — e a mulher que surge não é simpática, nem heroica, mas palpável. Jolie desmonta o artifício, sem precisar de grandes falas. O silêncio posterior à performance diz mais do que todo o resto do filme. Porém, esse lampejo de descontrole é logo contido, como se o filme se arrependesse da própria ousadia. A narrativa retorna à sua zona de conforto com a pressa de quem teme incomodar demais.

O ponto mais incômodo, no entanto, reside na mensagem subterrânea que vai se cristalizando aos poucos: a de que o êxito feminino é uma farsa sem o selo final do amor ou da maternidade. Essa moral implícita, travestida de epifania emocional, não apenas empobrece o desfecho como reforça um paradigma datado — e desiguais. O cinema, tantas vezes indulgente com protagonistas masculinos autônomos e ambíguos, exige das mulheres, ao final, uma conversão ao afeto como se fosse a única alternativa digna de salvação. Trata-se de um vício de perspectiva que esconde sua rigidez sob o disfarce do “humano”.

Curiosamente, é na ambientação que o filme encontra sua expressão mais honesta. Seattle, com sua melancolia climática e sua estética desarrumada, contrasta com a assepsia dos dilemas roteirizados. A cidade não participa do enredo — ela o atravessa. O céu cinzento, os becos úmidos, as cafeterias que não parecem cenográficas — tudo vibra com uma autenticidade que falta aos personagens. É como se a cidade dissesse, em silêncio, que há outras narrativas possíveis além daquelas ensaiadas à exaustão nos estúdios.

“Uma Vida em Sete Dias” é menos uma história sobre transformação e mais um estudo de contenção. Ele insinua abismos, mas finca estacas na borda. Aponta para o colapso, mas opta pela montagem estética da superação. Há talento envolvido, sem dúvida — atuações eficientes, ritmo ágil, momentos de brilho. Mas há também um receio evidente de transgredir. E talvez seja esse o traço mais revelador: a consciência de que existe algo a ser dito, mas a escolha deliberada por não dizê-lo com a coragem necessária. O filme poderia ter sido um espelho quebrado — mas preferiu ser vitrine polida.

Filme: Uma Vida em Sete Dias
Diretor: Stephen Herek
Ano: 2002
Gênero: Comédia/Romance
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★