Não há tréguas nem respiros em “Operação Lioness”. Desde os minutos iniciais, a série se impõe como um campo minado emocional e estratégico, onde nenhuma decisão está livre de consequência. Taylor Sheridan, criador por trás de projetos marcados pela tensão subterrânea e pela anatomia do poder — como “Yellowstone”, “Mayor of Kingstown” e “Tulsa King” — transpõe para o universo da espionagem uma lógica narrativa que recusa simplificações. Aqui, não há heróis infalíveis nem vilões unidimensionais. O que se observa é um emaranhado de missões que transbordam os limites do operacional e invadem, com violência e precisão, os domínios da identidade, da ética e da memória.
Com um elenco que carrega nos ombros o peso dramático da série — Zoe Saldaña, Nicole Kidman, Michael Kelly e Morgan Freeman não atuam, mas se diluem em seus personagens — “Lioness” não busca apenas prender o olhar, mas comprometer o espectador emocionalmente com cada escolha, hesitação ou colapso. Saldaña, em particular, é o centro nervoso da série: sua atuação transita entre a frieza necessária para decisões letais e o abismo íntimo de quem perdeu o direito de viver com leveza. Sheridan não explora suas personagens como peças de um tabuleiro militar; ele as submete a choques de realidade que vão além do campo de batalha, desnudando suas fragilidades no silêncio dos quartos de hotel, nos telefonemas interrompidos, nos olhares que carregam mais do que palavras poderiam sustentar.
A estrutura narrativa opera por tensão acumulativa. Cada episódio não é um fim em si, mas um gatilho que empurra os personagens – e o público – para dentro de dilemas que não admitem respostas binárias. A espionagem, nesse contexto, não é romantizada. Ela se revela como um processo de erosão lenta e contínua da subjetividade. Não se trata de viver sob risco: trata-se de não saber mais quem se é, ou se vale a pena continuar sendo.
Há, claro, a adrenalina da ação. Emboscadas, perseguições e combates são conduzidos com precisão coreográfica. Mas a verdadeira combustão da série acontece nos interstícios — quando o espectador se dá conta de que a maior violência não é aquela que explode em tiroteios, mas a que se instala de forma invisível no modo como essas personagens passam a se relacionar com o mundo. É nessa camada que Sheridan se distancia de outras narrativas do gênero e inscreve “Lioness” como um estudo da exaustão moral, da fragmentação emocional e da culpa como resíduo permanente.
A série sugere, com inquietante frequência, que a missão nunca termina. O que cessa é a possibilidade de retorno. Ao escolher operar no limiar entre vida e função, essas agentes se tornam instrumentos de um sistema que exige sacrifício contínuo — e que raramente oferece redenção. O maior acerto de “Lioness” está em compreender que o heroísmo moderno talvez não esteja em salvar o dia, mas em continuar operando mesmo quando já não se sabe se há algo a salvar.
O componente político da trama também não se esconde. Ao contrário: infiltra-se como um ruído constante, fazendo vibrar cada diálogo com a tensão das consequências invisíveis. Sheridan evita panfletarismo, mas tampouco camufla os custos humanos de decisões tomadas em salas onde a compaixão é uma ausência ensurdecedora. A CIA retratada em “Lioness” é menos uma entidade organizacional e mais uma espécie de fantasma institucional que habita a consciência de quem serve. Não há glamour. Há protocolo, paranoia e a permanente necessidade de recalibrar a própria moral em nome de um bem maior — cuja existência é, no mínimo, contestável.
Mesmo quando beira o inverossímil, a série parece dizer ao espectador: suspenda o julgamento, não para aceitar o absurdo, mas para entender a lógica interna de um universo que exige a anulação do indivíduo para preservar o coletivo. Essa é a renúncia que embasa cada missão, cada assassinato silencioso, cada mentira engolida a seco. E é por isso que a narrativa não pede empatia, mas lucidez: o que se vê em “Lioness” não é um retrato da bravura, mas da sobrevivência em sua forma mais crua.
Diante de tantos produtos audiovisuais que repetem fórmulas, “Operação Lioness” provoca desconforto. Não há alívio nem redenção. A série convoca o público não apenas a assistir, mas a carregar junto o fardo da incerteza, da perda e da ausência de glória. E talvez esse seja seu maior feito: lembrar que, atrás de cada operação bem-sucedida, existe uma devastação pessoal que ninguém verá nas manchetes.
★★★★★★★★★★