Melhor adaptação de clássico da literatura de Tolstói, sob demanda no Prime Video Focus Features / Universal Pictures

Melhor adaptação de clássico da literatura de Tolstói, sob demanda no Prime Video

Joe Wright não filmou “Anna Karenina” — ele a encenou. Em sua adaptação ousada do romance de Tolstói, o cineasta britânico rejeita a ilusão do realismo em favor de um artifício radical: quase toda a ação se passa dentro de um teatro, com cenários que deslizam, desabam ou se transformam diante dos olhos. A Rússia czarista surge não como lugar, mas como palco, onde as convenções sociais são tão rígidas quanto os trilhos de um trem que anuncia tragédia. Nada aqui pretende soar natural: os personagens não vivem — performam. E é exatamente esse gesto que lança luz sobre a essência do romance de Tolstói, não como um retrato fiel de uma época, mas como um estudo do colapso das máscaras sociais.

A coreografia precisa dos movimentos, a direção de arte opulenta e os figurinos que cruzam épocas não são enfeites, mas linguagem. Em vez de disfarçar a artificialidade, Wright a exibe com frieza calculada, transformando a encenação em comentário. Anna, vivida por Keira Knightley com inquietação latente, não caminha: ela desfila sob os olhares que julgam, consomem e controlam. Cada gesto seu ecoa num universo onde até a emoção precisa de permissão para existir. Jude Law, em contenção milimétrica, encarna um Karenin quase inumano, que parece mais uma engrenagem do Estado do que um marido. Já Aaron Taylor-Johnson, como Vronsky, brilha como um ornamento dourado — belo, mas oco —, reforçando a ideia de que, ali, ninguém ama fora do papel que lhe foi designado.

Enquanto isso, a narrativa paralela de Levin, interpretado por Domhnall Gleeson, escapa à teatralidade e se volta ao campo aberto, à terra, ao real. Se Anna vive dentro de um espetáculo sufocante, Levin busca algo que não dependa da performance: a vida tal como ela é, com sua aspereza, contradições e silêncio. Ao contrapor esses dois mundos — o da sociedade encenada e o da autenticidade rural —, Wright expõe a falência da aristocracia russa e a brutalidade de seus códigos morais. Não há espaço para transgressões sem punição. E o teatro, que inicialmente servia como ornamento, aos poucos se revela uma prisão.

É justamente nessa interseção entre espetáculo e artifício que o filme encontra tanto sua força quanto sua vulnerabilidade. Para alguns, a ausência de sotaques russos, a mistura deliberada de épocas nos figurinos e os cenários que se dobram como origamis de um teatro onírico soam como uma traição à autenticidade do romance de Tolstói. Mas há outra leitura possível — e talvez mais instigante: Joe Wright não busca ilustrar uma Rússia do século 19, mas sim traduzir um estado de espírito em constante colapso, onde o excesso de forma escancara a falência das convenções sociais. O resultado, ainda que polarizador, é uma experiência que recusa a neutralidade. Em vez de adaptar “Anna Karenina” para os moldes esperados, o filme tensiona a ideia de adaptação em si, propondo uma leitura onde o conteúdo é inseparável da forma, e onde o amor, a culpa e a hipocrisia se movem como engrenagens de um teatro eterno — belo, cruel e, sobretudo, implacável.

Filme: Anna Karenina
Diretor: Joe Wright
Ano: 2012
Gênero: Drama/Romance
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★