O melhor filme de ação que você vai ver na Netflix neste fim de semana Divulgação / Universal Pictures

O melhor filme de ação que você vai ver na Netflix neste fim de semana

Há algo de fascinantemente revelador na forma como “Noite Infeliz” converte o imaginário natalino em território de guerra. Não se trata apenas de uma provocação estética — transformar o bom velhinho em um justiceiro sanguinário é, em si, um comentário mordaz sobre os impulsos contraditórios do consumo cultural atual. Num tempo em que a indústria do entretenimento se equilibra entre o esgotamento criativo e a necessidade de reinvenção constante, o filme de Tommy Wirkola atira para todos os lados com a desenvoltura de quem compreende que o excesso deixou de ser erro: virou requisito. Misturando ação, comédia vulgar, sátira familiar e um fetiche explícito pela violência estilizada, o longa se estabelece como uma resposta visceral à saturação da fórmula natalina, apostando na anarquia como estratégia narrativa — e sobrevivência comercial.

David Harbour, em uma performance que oscila entre o cansaço existencial e a ternura inesperada, encarna um Papai Noel que mais se assemelha a um veterano de guerra derrotado do que a um símbolo de esperança. A mágica, aqui, não é mais uma metáfora delicada para a fé infantil, mas uma anomalia inexplicável que se sustenta pela força da tradição e do álcool. Esse personagem, que urina do trenó e amaldiçoa os presentes como quem amaldiçoa a própria relevância, torna-se paradoxalmente necessário. Ele não é um herói — é um resíduo cultural, um mito reconfigurado para um mundo que já não acredita em redenção sem sangue. Sua presença em meio ao colapso moral dos Lightstone, uma família rica infestada por vaidades e mesquinharias, transforma o cenário num microcosmo ácido da elite em decomposição.

O antagonista, vivido por John Leguizamo com o sarcasmo impiedoso de quem entende o ridículo da própria função, propõe uma inversão completa do conto natalino. Seu “Scrooge” é menos um vilão e mais uma caricatura autoconsciente da amargura contemporânea, guiada por ganância e rancor performático. Ainda assim, é Trudy, a menina de sete anos que constrói armadilhas sangrentas com um misto de inocência e precisão letal, quem desequilibra a balança moral do filme. A sua fé em um Papai Noel falido é o único resquício de lógica emocional que sobrevive ao caos — e é esse vínculo entre brutalidade e afeto que sustenta o interesse do espectador quando a piada sangrenta ameaça se tornar repetitiva. “Noite Infeliz” não evita a autorreferência, mas abraça seu absurdo com tanto entusiasmo que transforma clichês reciclados em combustível para uma experiência curiosamente renovadora.

A coreografia das lutas, assinada por Jonathan Eusebio, leva a mise-en-scène a um estado de delírio operístico, no qual lâmpadas quebradas e patins de gelo funcionam como extensões do grotesco cômico que estrutura o longa. É como se “Esqueceram de Mim” tivesse sido adaptado por Sam Peckinpah, sob efeito de gemada adulterada. A violência é gráfica, absurda e coreografada para provocar risos nervosos — mas nunca gratuita. Ela se insere como linguagem própria de um universo que já não diferencia o ridículo do trágico. A trilha sonora, ao manipular temas natalinos como marchas fúnebres de um ideal morto, reforça esse senso de ironia contínua: tudo ali é uma simulação de calor humano sustentada por artifício e cinismo. A caricatura dos Lightstone, interpretados com histeria controlada por Beverly D’Angelo, Edi Patterson e Cam Gigandet, dá forma a uma elite que sequer tenta esconder sua disfuncionalidade — apenas a embrulha com laços brilhantes e discursos vazios.

Curiosamente, “Noite Infeliz” chega em um momento em que os filmes aclamados pela crítica se arrastam pelas bilheteiras, ignorados por um público que prefere a histeria visceral do escapismo aos dramas meticulosamente construídos. É como se a audiência, saturada de sofisticação, estivesse em busca de algo mais primitivo — e, por isso mesmo, mais sincero. A experiência de ver esse Papai Noel ensanguentado arrancando olhos com bengalas doces e esmagando vilões com martelo é catártica, não por seu sadismo, mas por sua honestidade brutal. Nada ali finge ser o que não é. Ao contrário das produções que tropeçam tentando justificar sua importância, Wirkola entrega um produto que não pede licença para existir: apenas convida o espectador a rir, estremecer e — contra todas as expectativas — sentir.

Mais do que um delírio natalino, “Noite Infeliz” se impõe como um reflexo deformado daquilo que o público contemporâneo parece buscar: intensidade sem filtro, humor sem pudor e afeto que precise ser conquistado a golpes. Talvez não haja espaço para milagres em 34th Street nesta nova cartografia do entretenimento. Mas há, sim, espaço para uma criança que sorri diante de um martelo, não de um brinquedo; para uma família salva não pelo amor, mas por uma intervenção bárbara; e para um Papai Noel que já não sabe como sua magia funciona — mas ainda sabe como esmagar a cabeça certa. Nesse mundo de símbolos desgastados, talvez a única esperança esteja justamente nos mitos que sobrevivem apesar de si mesmos.

Filme: Noite Infeliz
Diretor: Tommy Wirkola
Ano: 2022
Gênero: Ação/Comédia/Thriller
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★