Obra-prima que merecia ter ganhado estatueta de melhor filme no Oscar 2025 chega ao Prime Video Divulgação / FilmNation Entertainment

Obra-prima que merecia ter ganhado estatueta de melhor filme no Oscar 2025 chega ao Prime Video

Em “Conclave”, Edward Berger conduz o espectador pelos corredores sagrados e sombrios do Vaticano com a habilidade de quem entende que, por trás dos rituais e paramentos da fé, pulsa um jogo de poder tão intenso quanto qualquer batalha política. Baseado no romance homônimo de Robert Harris, o longa é mais do que um drama religioso ou thriller político: é uma reflexão sofisticada sobre as fragilidades humanas diante da fé, da ambição e do mistério. A narrativa se desenrola após a morte do Papa, quando o Cardeal-Deão Thomas Lawrence, interpretado com precisão cirúrgica por Ralph Fiennes, é encarregado de liderar o processo que escolherá o novo pontífice. A partir daí, o filme se revela como uma espécie de “quem será?” em vez de um “quem fez?”, tensionando o espectador ao longo de cada voto, cada suspiro, cada olhar de bastidor.

Fiennes, que há décadas comprova sua capacidade de se dissolver nos personagens, encontra em Lawrence um papel à altura de seu talento. Sua atuação equilibra autoridade e vulnerabilidade, compondo um personagem cuja fé vacila diante das maquinações de seus pares. Com uma presença austera, ele atua quase como um detetive moral, tentando desatar os nós de um conclave onde cada cardeal carrega não só a batina, mas também segredos, culpas e desejos. A performance de Stanley Tucci como o cardinal Bellini, por exemplo, transforma a frase “não quero ser Papa” em uma declaração repleta de ambiguidade, onde o desinteresse declarado parece esconder uma fome silenciosa pelo poder. John Lithgow, Isabella Rossellini, Brían F. O’Byrne, Sergio Castellitto e Lucian Msamati também brilham em papéis coadjuvantes, enriquecendo um elenco cuja química sustenta as camadas do roteiro com robustez e credibilidade.

O roteiro, adaptado por Peter Straughan, não economiza em diálogos inteligentes e incisivos. Cada palavra carrega peso, refletindo tanto os dilemas internos dos personagens quanto os jogos estratégicos travados em nome da fé. A estrutura narrativa é ágil, mas nunca apressada, com reviravoltas calculadas que mantêm a tensão até os últimos minutos. Berger evita o maniqueísmo fácil e constrói um panorama onde fé e dúvida se entrelaçam com complexidade, recusando respostas fáceis e celebrando o desconforto da incerteza. O ponto alto, talvez, esteja na fala de Lawrence: “Se houvesse apenas certeza e nenhuma dúvida, não haveria mistério. E, portanto, não haveria necessidade de fé”. É nesse terreno instável que o filme se firma: a fé como espaço de dúvida, e não de certeza.

“Conclave” é uma obra de contenção e grandiosidade. A direção de arte de Suzie Davies mergulha o espectador em uma estética que respeita a pompa do Vaticano sem fetichizá-la. Há uma sobriedade quase litúrgica nos tons de vermelho e branco, no brilho metálico das cruzes, no silêncio das pedras seculares. A fotografia de Stéphane Fontaine, por sua vez, reforça essa atmosfera com um uso meticuloso de luz e sombra. O contraste entre os espaços vastos da Capela Sistina e os gestos íntimos dos cardeais acentua o paradoxo entre o sagrado e o humano, entre o esplendor da fé institucionalizada e a solidão das convicções pessoais. Fontaine filma o vazio com o mesmo cuidado com que filma os rostos — e é nesse vazio que o espectador encontra o peso do não dito, do que se oculta.

A trilha sonora de Volker Bertelmann, responsável também pelo impacto sonoro de “Nada de Novo no Front”, reaparece aqui com uma partitura sutil, inquietante e perfeitamente afinada ao espírito do filme. Seus acordes ressoam como orações não respondidas, e os silêncios — quebrados apenas pelo som amplificado da respiração — tornam-se elementos centrais na criação da tensão. Há uma espiritualidade contida na trilha que, em vez de acalmar, provoca. Ela não serve como pano de fundo, mas como agente dramático que intensifica o suspense e amplia a inquietação existencial dos personagens. Cada nota parece ecoar a pergunta silenciosa que paira no ar: quem realmente está preparado para carregar o peso da fé alheia?

Ainda que a narrativa perca parte de seu ímpeto nos minutos finais — com uma reviravolta que pode parecer excessiva ou até redundante —, a jornada até ali é tão bem construída que o impacto permanece. Alguns poderão argumentar que o último giro dramático é o cerne da trama, o golpe de mestre que dá sentido ao conjunto. Outros, com razão semelhante, sentirão que o filme já havia entregue tudo o que precisava antes desse desfecho. Mas talvez essa ambiguidade final seja parte da proposta: não oferecer respostas fáceis, não encerrar debates, mas abrir espaço para que cada espectador reflita sobre o papel da fé, da dúvida e do poder na vida contemporânea.

“Conclave” não é apenas um drama político ou religioso. É um filme que fala com adultos — não por sua complexidade temática apenas, mas por sua recusa em infantilizar o público com conclusões simplistas. Ele exige atenção, paciência e disposição para pensar. Com atuações impecáveis, direção segura, roteiro sofisticado e um tratamento estético de rara elegância, Berger entrega um longa que, apesar de suas imperfeições, se destaca como uma das produções mais instigantes dos últimos anos. Trata-se, afinal, de uma obra que entende que mistério e fé são irmãs — e que o silêncio de Deus, às vezes, diz mais do que mil sermões.

Filme: Conclave
Diretor: Edward Berger
Ano: 2025
Gênero: Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★