Paisagens selvagens, corações partidos: o melhor faroeste de 2025 acaba de estrear na Netflix Anna Kooris / Netflix

Paisagens selvagens, corações partidos: o melhor faroeste de 2025 acaba de estrear na Netflix

Ao longo da história do entretenimento televisivo, algumas produções são concebidas não para serem vistas, mas apenas para existirem — preenchendo espaços, ocupando catálogos, oferecendo um conforto anestésico travestido de narrativa. “Ransom Canyon”, nova empreitada da Netflix inspirada nos livros de Jodi Thomas, se encaixa perfeitamente nesse modelo. A série aparenta ter sido calculada para capturar os fãs órfãos de “Virgin River” e “Doces Magnólias”, temperando a fórmula com cenários texanos e uma fina camada de verniz faroeste. Mas, ao contrário de “Yellowstone”, com a qual tanto deseja rivalizar, essa produção não tensiona nem perturba — ela desliza. E, ao fazer isso, escancara um fenômeno cada vez mais recorrente no streaming: a fabricação de ficções apáticas, projetadas para serem consumidas com um olho no celular e outro na tela.

A estrutura dramática de “Ransom Canyon” não é apenas familiar — ela é uma réplica domesticada de arquétipos que já não sustentam mais nem o próprio peso. Staten Kirkland (Josh Duhamel), protagonista e herdeiro de um rancho ancestral, surge como o estereótipo do viúvo recluso, emocionalmente bloqueado e permanentemente acossado pela dor. Sua trajetória, porém, não se converte em complexidade psicológica nem em melancolia genuína: ela serve apenas como desculpa narrativa para justificar seu comportamento estoico e sua resistência em ceder ao afeto de Quinn O’Grady (Minka Kelly), pianista que trocou o palco nova-iorquino por um bar perdido no meio do nada. O que poderia ser um estudo sutil sobre a incapacidade de amar diante do luto torna-se uma dança mecânica de olhares não correspondidos, silêncios artificiais e confissões cronometradas para coincidir com o clímax do episódio.

A tentativa de engrossar o caldo dramático se dá pela multiplicação de subtramas que, em vez de expandirem o universo da série, reiteram sua vocação ornamental. Há a ameaça de um oleoduto que atravessa as terras dos fazendeiros, há o mistério sobre a morte do filho de Staten, há o forasteiro que invade a cidade com músculos definidos e segredos do passado. Mas nenhuma dessas frentes dramatúrgicas é explorada com a densidade que prometem; são apenas ruídos ao fundo de uma sinfonia sentimental. Nem mesmo a rivalidade entre Staten e o ex-cunhado Davis Collins (Eoin Macken), construída como um eixo de antagonismo ideológico e pessoal, escapa da superficialidade. O embate entre preservar o legado da terra e ceder às pressões do mercado corporativo se resolve não em confrontos morais, mas em trocas de insultos e figurinos previsíveis — Davis, claro, veste preto, para facilitar a identificação.

O núcleo adolescente tenta replicar a lógica emocional dos adultos, mas com menos sutileza e ainda menos propósito. A líder de torcida Lauren Brigman (Lizzy Greene) deseja fugir do jugo do pai autoritário, enquanto seu namorado Reid (Andrew Liner), um quarterback atormentado, tropeça sob o peso das expectativas familiares. A fórmula do triângulo amoroso adolescente se repete aqui como um espelho em miniatura da narrativa central — com a mesma ausência de risco, de verdade e de descoberta. Até mesmo Paula Jo (Meta Golding), a única personagem que poderia romper a monotonia com seu temperamento intempestivo e figurino extravagante, é domesticada pelo roteiro, que rapidamente dilui sua presença em uma promessa de reviravolta jamais cumprida.

Essa diluição generalizada não é acidental; ela é programática. “Ransom Canyon” parece existir menos como criação artística e mais como produto de um laboratório de tendências — um cruzamento genético entre a libido higienizada dos romances de aeroporto e o moralismo estético de produções agro-urbanas. O que se perde, nesse processo, é a possibilidade de verdade dramática. As personagens não evoluem, apenas reagem. Mudam de ideia não por conflito interno, mas por exigência estrutural. O tempo narrativo não serve ao amadurecimento, mas ao prolongamento do engajamento algorítmico. Trata-se de uma série que funciona como ambientação — como o som da chuva artificial que se deixa tocando em segundo plano para induzir o sono.

Seria injusto acusar “Ransom Canyon” de incompetência formal. A série é tecnicamente competente, visualmente agradável e interpretada com correção. Mas talvez esse seja justamente o seu fracasso mais profundo: o de não incomodar, não desafiar, não afetar. Seu compromisso com a neutralidade emocional, com a beleza genérica, com a trama domesticada é tão absoluto que qualquer comparação com “Yellowstone” se torna um elogio desproporcional. Sheridan, ainda que repetitivo, constrói um universo de impulsos violentos e contradições morais, onde os personagens reagem com brutalidade ao avanço da modernidade. Já em “Ransom Canyon”, tudo é suavizado — o amor, o conflito, a paisagem, a morte. Até o luto se dilui em diálogos amenos e silêncios inócuos.

O que resta, então, após os dez episódios? Uma coleção de promessas não realizadas, beijos mornos e dilemas reciclados. Se a proposta da série era fornecer um alívio para o caos do mundo real, talvez tenha cumprido sua função com sobriedade. Mas, se pretendia capturar algo da fúria telúrica que vibra sob a superfície dos grandes dramas rurais, fracassou por excesso de moderação. E enquanto Staten Kirkland cavalga ao longe, perdido entre o rancho, o vazio e o eco de seus próprios silêncios, fica a sensação de que “Ransom Canyon” jamais se propôs a ser lembrada — apenas vista o suficiente para justificar sua continuação.


Série: Ransom Canyon
Criação: April Blair
Ano: 2025
Gêneros: Faroeste/Romance
Nota: 7/10