Do diploma à cela: gênio, traficante ou bode expiatório? A história real por trás do filme na Netflix que está deixando o mundo em choque Divulgação / Republic Pictures

Do diploma à cela: gênio, traficante ou bode expiatório? A história real por trás do filme na Netflix que está deixando o mundo em choque

Até parece fácil, mas vencer o determinismo biológico, geográfico e, sobretudo, político é tarefa para gente que não se espavora frente a uma sina de negligência que cruza os séculos, incita os ânimos e explica a revolta das massas, que toleram até o limite o menoscabo criminoso de quem deveria zelar por elas. Crianças tornam-se guerreiros antes do tempo na luta pela sobrevivência, buscando no pouco conhecimento e nas imposições da cultura a saída para problemas cuja resposta se esconde, mas clama por ser achada, não sem muita fé e muito empenho.

Robert DeShaun Peace (1980-2011) tentou, mas sucumbiu ao peso de uma história que nem era a dele. Lamentavelmente, “Rob Peace” não tem final feliz, mas assim mesmo parece um conto de fada inspirador e de excelso alcance filosófico, graças à direção bem-cuidada de Chiwetel Ejiofor, que não deixa seu filme resvalar para uma leitura sensacionalista de um drama que sempre há de incomodar seus personagens reais. Baseado em “The Short and Tragic Life of Robert Peace: A Brilliant Young Man Who Left Newark for the Ivy League” (“a curta e trágica vida de Robert Peace: um jovem brilhante que deixou Newark para ingressar na Ivy League”, em tradução literal; 2014), a biografia de Jeff Hobbs, um ex-colega de quarto, o roteiro de Ejiofor e Hobbs tenta resgatar o temperamento heroico de Peace, deixando que o espectador tire suas próprias conclusões.

As decisões que mais impactam a vida de alguém nunca são tomadas sem uma boa dose de medo. Por mais que reflitamos, sempre nos assaltam as dúvidas que vão nos torturando com todo o cuidado, malgrado estejamos já convencidos quanto ao que é necessário ser feito — o que, evidentemente, não significa nem de longe que tenhamos chegado ao melhor termo, ou que o resultado das tantas elucubrações de mil noites insones, de caminhadas solitárias pelas ruas desertas, de mais uma infinidade de sentimentos que não conseguimos digerir não vá se desdobrar em mais angústia por não se saber por quanto tempo essa sentença vai mostrar-se exequível. Drogas têm se tornado um problema em qualquer parte do mundo, demandando propostas de solução em frentes as mais diversas. 

Enquanto não se descobre a chave mágica que há de libertar o homem de um dos calabouços mais sombrios da existência, gente de carne e osso, bem menos dada a encantamentos que se despedaçam à luz incansável da realidade, põe a mão na massa e tenta remover a escória que parasita sociedades com ousadia cada vez maior, até que esbarram num atravanco desapontador, justamente por sua natureza de autossabotagem: a lei.

Rob Peace enclausura num tugúrio cuja profundidade ele nunca poderia conhecer por causa do pai, Skeet Douglas, vivido pelo próprio Ejiofor, preso por matar duas mulheres com uma arma de fogo. O diretor e Hobbs amenizam o choque com o que vai se passar com Rob lembrando sua obsessão com a ciência, o que o levou à Universidade de Yale, onde se formou com honras em biofísica molecular e bioquímica. Carismático, Jay Will lidera um elenco de ótimos coadjuvantes, como Mary J. Blige, na pele de Jackie Peace, a mãe de Rob, e é na parceria dos dois que “Rob Peace” fundamenta-se, antes que uma melancolia traiçoeira cerque o espectador por todos os lados. E o pior é saber que a história de Skeet e Rob Peace continua em outros rostos.

Filme: Rob Peace
Diretor: Chiwetel Ejiofor
Ano: 2024
Gênero: Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.