Se você adora bancar detetive, filme vai te colocar dentro de um mistério de Agatha Christie, na Netflix Divulgação / Lionsgate

Se você adora bancar detetive, filme vai te colocar dentro de um mistério de Agatha Christie, na Netflix

Nem toda reunião é feita para matar a saudade. Algumas servem apenas para confirmar o que o tempo já havia sugerido: certos vínculos não resistem à memória. “Reencontro da Turma”, dirigido por Chris Nelson, parte dessa tensão entre nostalgia e desconforto para estruturar um suspense de comédia que simula uma investigação, mas cujo verdadeiro enigma pulsa nas rachaduras emocionais entre os personagens. O assassinato que impulsiona a narrativa é apenas o gatilho; o que realmente importa é o que cada personagem esconde quando acredita que ninguém está olhando.

Embora se aproprie das fórmulas clássicas do “whodunit” — o cenário isolado, os suspeitos reunidos, as pistas deixadas ao acaso —, o filme não aspira a qualquer rigor investigativo. A atmosfera é menos de detetive e mais de sala de aula fantasiada de velório informal. A morte de Ricky, interpretado por Chace Crawford como uma caricatura viva do atleta arrogante que nunca saiu do ensino médio, serve de pretexto para a verdadeira dissecação que ocorre ali: a da amizade artificial mantida por conveniência, do passado maquiado por filtros afetivos e das pequenas feridas que continuam latejando sob a superfície socialmente aceitável. Presos em uma casa sob uma tempestade de neve, os antigos colegas são forçados a confrontar o que se tornou de suas vidas, sob a desculpa de descobrir um culpado.

O tom do filme é deliberadamente errático — e isso não é exatamente um defeito. A oscilação entre o humor desajeitado e os momentos de vulnerabilidade emocional reflete a própria instabilidade dos reencontros forçados. Jillian Bell, como a outsider cronicamente deslocada que retorna ao grupo que um dia a ridicularizou, encarna esse desconforto com precisão cruel. Sua presença causa um atrito constante, como se cada fala sua esfregasse sal em feridas que o grupo preferia esquecer. Ela não quer pertencer — quer incomodar, e é nesse ruído que o filme encontra sua frequência mais autêntica. Ao lado dela, Billy Magnussen interpreta um policial hesitante, mais perdido do que todos os demais, cuja autoridade se desfaz diante da própria insegurança. É como se o cargo lhe caísse grande demais, como a fantasia que adultos colocam para parecerem resolvidos diante de antigos colegas.

A comicidade de “Reencontro da Turma” não nasce da graça planejada, mas do constrangimento sincero. Há momentos em que o humor força passagem e tropeça — especialmente nas falas de Lil Rel Howery, que parece atuar em um filme diferente, mais ruidoso e caricato —, mas o roteiro se redime quando deixa o absurdo fluir sem amarras. As melhores cenas não são as mais elaboradas, mas aquelas em que os personagens simplesmente falham em se reconectar, tropeçam nos próprios egos, ou fingem uma intimidade que não existe mais. É ali, no desalinho emocional, que o filme se revela menos como um mistério e mais como uma crônica ácida sobre expectativas desfeitas.

A estrutura narrativa opta por não fingir genialidade. O roteiro de Willie Block e Jake Emanuel sabe que não reinventará o suspense, e justamente por isso foca no que pode controlar: os atritos, os silêncios incômodos, as piadas mal colocadas. O assassinato, embora central à trama, se comporta como uma moldura frouxa para um quadro maior — o de um grupo de adultos fracamente conectados, interpretando versões idealizadas de si mesmos para esconder o tédio ou a frustração. Os clichês escolares reaparecem como fantasmas mal resolvidos: a paixão não correspondida, a rivalidade que virou ressentimento, o silêncio que virou distância. E cada um, em sua tentativa desajeitada de reviver um passado que nunca foi tão glorioso assim, contribui para o clima de falsa familiaridade que o filme escancara com crueldade quase cômica.

Há falhas de ritmo e escolhas visuais que reduzem a força de algumas passagens — especialmente nas sequências de festa, em que os personagens deslizam para caricaturas de si mesmos. O humor, nesses trechos, parece colado com fita isolante: remendado, artificial, dependente de tiques. Ainda assim, quando a trama se volta novamente para o mistério e abandona a histeria, há uma recuperação no fôlego narrativo. A investigação improvisada volta à tona como uma desculpa eficiente para esgarçar ainda mais os laços entre os personagens. E, mesmo que a resolução do crime não cause grande impacto, é o percurso que carrega o valor. Cada nova pista descoberta serve menos para apontar culpados e mais para revelar desconfortos — esses, sim, verdadeiramente insolúveis.

“Reencontro da Turma” não é um filme ambicioso, mas entende bem seus limites. E, ao aceitá-los, transforma suas limitações em estilo. A leveza proposital, por vezes sabotada por excessos, funciona melhor quando o filme para de tentar ser espirituoso e simplesmente aceita seu próprio absurdo. Nesse espaço onde nada é levado a sério demais — nem o crime, nem a amizade, nem as confissões bêbadas no corredor —, o longa encontra um tipo de graça desajeitada que, embora não se destaque pela elegância, permanece pela sinceridade.

Mais do que descobrir quem matou quem, o interesse real de “Reencontro da Turma” é entender o que o tempo mata quando passa. E, nesse processo, o espectador talvez perceba que o maior mistério não está na sala com cadáver, mas dentro de cada um que ali insiste em parecer inteiro. O reencontro é menos sobre o passado e mais sobre a vergonha silenciosa de admitir que, apesar dos anos, pouca coisa realmente mudou. Talvez nem fosse preciso um assassinato para escancarar isso. Mas a morte, ainda que ficcional, tem esse poder cruel de tornar visível o que todos prefeririam manter soterrado sob camadas de convenção social e piadas recicladas. E “Reencontro da Turma”, com todos os seus tropeços e acertos, sabe explorar justamente esse incômodo.

Filme: Reencontro da Turma
Diretor: Chris Nelson
Ano: 2024
Gênero: Comédia/Mistério
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★