Mate a saudade de Paul Walker com thriller de ação que vai hipnotizar seus olhos, na Netflix Suzanne Tenner / Screen Gems

Mate a saudade de Paul Walker com thriller de ação que vai hipnotizar seus olhos, na Netflix

Há filmes que não buscam ser lembrados, mas apenas vistos. “Ladrões”, lançado em 2010 sob direção incerta de John Luessenhop, não aspira ao panteão dos inesquecíveis. Ainda assim, sobrevive na memória de parte do público por um motivo simples: não impõe exigência alguma além de estar ali. Ele se ancora nessa permissividade, nesse pacto silencioso entre espectador e tela que diz — sem prometer nada — que às vezes basta a ilusão de um golpe em andamento, tiros coreografados e rostos familiares para justificar uma hora e meia de desligamento. Não há nisso grandeza, mas há uma função. E “Ladrões”, por mais artificial e tropeçante que seja, desempenha a sua com disciplina quase resignada.

A crítica o descartou com facilidade, como costuma acontecer com filmes que não disfarçam suas intenções comerciais. O erro está em tratar esse tipo de produção como se ela devesse competir com os marcos estéticos do cinema autoral. A analogia seria exigir de um hambúrguer industrial o sabor de um prato assinado por Massimo Bottura. “Ladrões” jamais prometeu inovação — e tampouco fingiu tê-la. Segue uma cartilha conhecida, onde um grupo de ladrões refinados, liderado por Gordon (Idris Elba) e John (Paul Walker), é tentado a aceitar um assalto supostamente infalível, orquestrado por Ghost (T.I.), antigo parceiro recém-saído da prisão. À medida que as desconfianças se intensificam, a trama avança por corredores previsíveis, intercalando tensão forçada e laços frágeis entre os personagens.

É nesse espaço entre o automático e o improvisado que o filme encontra seu ritmo — e também seus tropeços mais evidentes. A tentativa de compor vínculos emocionais, inserindo doses de drama entre as cenas de ação, resulta em diálogos de efeito diluído e arcos interrompidos. As motivações dos personagens se empilham sem jamais ganharem densidade suficiente. Mesmo assim, o enredo avança, como se confiasse apenas no magnetismo de seu elenco e na familiaridade da estrutura para manter o espectador engajado. Em parte, consegue. A tensão da última missão, a expectativa pelo erro fatal, a perseguição inevitável — tudo é conhecido, mas também eficaz.

O problema começa quando o filme tenta simular um brilho que não possui. A direção parece em busca de uma assinatura visual, mas tropeça em excesso de estilos inconciliáveis. Há momentos que tentam replicar o requinte de “Onze Homens e um Segredo”, outros que mergulham na secura de “Fogo Contra Fogo”, e cenas inteiras que apelam para uma melancolia sem raiz. Essa indecisão tonal desorganiza o todo. A ação, que deveria ser o motor narrativo, acaba prejudicada por cortes abruptos e uma montagem que mais confunde do que empolga. A longa perseguição a pé, pensada como clímax, revela-se estéril, sufocada por uma ambição estética que não encontra apoio no roteiro.

No elenco, o desperdício é gritante. Idris Elba, cuja presença costuma elevar qualquer cena, é subaproveitado. Michael Ealy, que poderia oferecer profundidade, é mantido na superfície. Já T.I., peça-chave da trama, entrega uma atuação desastrosa, destoando inclusive da mediocridade geral. Zoe Saldana, mesmo estampando o cartaz, parece inserida por obrigação contratual: sua personagem não interfere no enredo de forma significativa e desaparece tão rapidamente quanto entrou. A distribuição equivocada de protagonismo apenas reforça a impressão de um filme que tenta parecer complexo, mas que não sustenta sequer o básico de suas próprias promessas narrativas.

Apesar disso, “Ladrões” encontra uma brecha na memória coletiva graças ao apelo quase arquetípico do “plano em andamento”. Existe um prazer universal em ver uma engrenagem sendo posta à prova, ainda que seus dentes estejam visivelmente desgastados. O cinema de assalto possui esse charme: a possibilidade de escapar com tudo, contra todas as probabilidades. Mesmo quando a fórmula se esgota, a estrutura mantém sua sedução. É isso que mantém o gênero vivo — e é isso que impede “Ladrões” de ser inteiramente ignorado. O filme tenta revisitar esse imaginário, ainda que sem identidade clara, como quem faz homenagem com a mão trêmula e copia o que não compreende.

O que resta é uma experiência limitada, mas funcional. “Ladrões” não engana ninguém sobre sua falta de inventividade. Ele apenas ocupa um espaço que existe — e talvez sempre existirá — no consumo cultural: o do entretenimento que não pretende durar. Para um público cansado de análises engessadas e da pretensão crônica de transformar cada filme em manifesto estético, esse tipo de título tem seu valor. Há algo de honesto em sua superficialidade, algo quase reconfortante na sua inércia criativa. É como um eco de tantos outros filmes melhores, um reflexo baço que, paradoxalmente, ainda entretém. E, às vezes, isso basta — não porque seja suficiente, mas porque foi o que se quis assistir naquele dia.

Filme: Ladrões
Diretor: John Luessenhop
Ano: 2010
Gênero: Ação/Crime/Drama/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★