Em “Encontros e Desencontros”, Sofia Coppola transforma o ordinário em épico emocional, costurando o desconcerto da existência com a precisão de quem entende que o maior dos abismos é aquele que se cava dentro. Em meio aos neons pulsantes de Tóquio, o filme revela uma dupla improvável — Bob Harris e Charlotte — que não se encontram por acaso, mas como quem colide ao fim de um esgotamento interno. Ele, um ator de meia-idade à deriva entre contratos publicitários e memórias esmaecidas; ela, uma jovem abandonada à própria insignificância por um marido ausente. O cenário estrangeiro, com seus outdoors flamejantes e códigos indecifráveis, ecoa um estrangeirismo mais profundo: o de si consigo mesmo. Nesse sentido, “Lost in Translation” não trata apenas das palavras que se perdem ao serem vertidas para outra língua, mas da essência que se dissipa quando não há com quem compartilhá-la.
Sofia Coppola, ao escolher câmeras analógicas contra o conselho do pai, Francis Ford Coppola, opta por registrar o mundo não como ele é, mas como se sente. As cenas que parecem extraídas de um documentário íntimo — furtivas, tremidas, quase acidentais — reproduzem a subjetividade de uma alma que tateia no escuro. O filme, feito em apenas 27 dias e com orçamento modesto, possui uma estética deliberadamente simples, onde o “menos” se revela mais: mais humano, mais honesto, mais próximo do silêncio que habita nossos pensamentos mais ocultos. A narrativa, inspirada na própria crise conjugal da diretora, reflete o desencaixe de quem não sabe mais onde pertence — ou sequer se ainda deseja pertencer. Como nos labirintos internos descritos por aqueles que perderam o rumo da própria trajetória, os personagens de Coppola são entidades em suspenso, tentando reencontrar sentido nas entrelinhas da vida.
A genialidade do filme reside em como ele trata a intimidade: como um reconhecimento. Charlotte e Bob não vivem uma paixão convencional; o que os une é a possibilidade de se enxergarem um no outro, de serem vistos com uma clareza que o mundo ao redor lhes nega. Essa conexão, delicada e tênue, é mais poderosa do que o amor romântico. É como se, por um instante, a tradução entre dois seres finalmente acontecesse — e isso bastasse. Essa percepção de que se é compreendido, ainda que por breves dias, já é suficiente para resgatar do naufrágio aqueles que quase esqueceram como se sentir vivos. Sofia Coppola capta essa essência com a mesma sensibilidade que permeia o cotidiano de todos nós: a solidão banal, o arrependimento disfarçado de rotina, os projetos que não nos pertencem mais, mas aos quais ainda nos apegamos por vergonha ou hábito.
Há, no centro da obra, uma melancolia sem grandes gestos, uma tristeza elegante que dispensa explicações. É o retrato da vida como sucessão de absurdos — e, como bem traduzem os planos calculados da diretora, da nossa tentativa fracassada de encontrar coerência em meio ao caos. Assim como Bob, que observa Tóquio pela janela de um táxi e se dá conta de que não pertence nem à cidade nem a si mesmo, o espectador é conduzido ao entendimento de que às vezes não há para onde voltar, porque aquilo que fomos já não existe. E ainda assim, seguimos. A arte de Coppola não é oferecer respostas, mas criar espaços para que as perguntas ecoem. Nesse território de incertezas, onde tudo é desencontro, o verdadeiro encontro acontece — mesmo que apenas por um instante. E talvez, no fundo, seja esse instante que salve tudo.
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