Filme com Chiwetel Ejiofor que tem 94% de aprovação no pipocômetro do Rotten Tomatoes, na Netflix Divulgação / 25 Stories

Filme com Chiwetel Ejiofor que tem 94% de aprovação no pipocômetro do Rotten Tomatoes, na Netflix

Não é difícil encontrar histórias de superação moldadas para inspirar, mas o que “Rob Peace”, dirigido e coescrito por Chiwetel Ejiofor, faz é o oposto do que se espera desse tipo de narrativa. Em vez de construir uma escada para a catarse, o filme desce degraus rumo a uma pergunta incômoda: o que acontece quando nem mesmo o talento, a educação e a dedicação conseguem romper a lógica implacável das desigualdades estruturais? O longa não pega atalhos para o melodrama. Ele prefere caminhar por uma trilha mais crua, onde a esperança convive com a desesperança, e a conquista não cancela a origem, apenas a camufla — até o ponto em que ela cobra seu preço.

Rob era o tipo de garoto que as estatísticas não esperam ver em Yale. Negro, de Newark, filho de uma mãe solteira e de um pai preso por assassinato — um perfil que, em qualquer algoritmo social, estaria destinado ao fracasso. No entanto, ali estava ele, em um dos centros mais prestigiados do saber ocidental, dominando a biologia molecular com a mesma desenvoltura com que, anos antes, dominara as adversidades da infância. O que Ejiofor propõe, contudo, não é a glorificação desse percurso improvável, mas a desconstrução do mito que o cerca. O filme não se interessa por vitórias fáceis ou marcos simbólicos. Interessa-se pelo desgaste diário de quem precisa justificar a própria existência em ambientes que o enxergam como exceção — quando, na verdade, ele é produto de uma realidade que se recusa a ser vista.

Jay Will, no papel de Rob, oferece uma atuação que não grita nem implora por reconhecimento. Ao contrário, ele compõe o personagem com uma contenção que amplifica o impacto emocional. Há uma dignidade silenciosa em sua performance, que não busca converter dor em espetáculo, mas sim humanizar uma trajetória frequentemente reduzida a rótulos. Will constrói Rob como alguém que nunca pertenceu plenamente a lugar algum — deslocado em casa por suas ambições, deslocado em Yale por sua origem. Essa tensão constante entre dois mundos inconciliáveis é o que move o filme e impede que ele seja apenas mais uma biografia bem-intencionada.

Ejiofor, também no elenco, atua como um diretor que sabe exatamente quando recuar. Seu olhar é respeitoso, quase contemplativo. Ele não tenta manipular emoções, tampouco forçar reflexões. O filme avança com uma elegância austera, sem recorrer a floreios visuais ou fórmulas consagradas. Essa sobriedade é um de seus trunfos: ao não se render à tentação de embelezar a dor, Ejiofor permite que o espectador a experimente em estado bruto — sem filtros, sem explicações que aliviem o desconforto.

Uma das decisões mais certeiras do roteiro é abraçar a linearidade temporal. Longe de ser um obstáculo narrativo, essa escolha favorece a imersão gradual nos dilemas de Rob. Não há saltos temporais, reviravoltas artificiais ou manipulações cronológicas. O que há é a construção meticulosa de um colapso anunciado — não por falta de esforço do protagonista, mas porque o campo onde se desenrola sua história estava, desde o início, inclinado contra ele. A previsibilidade de alguns eventos não diminui a força da narrativa; pelo contrário, a torna ainda mais dolorosa. Saber o que vai acontecer e não poder evitar é parte do pacto que o filme estabelece com o público.

A escolha de Rob por vender maconha, por exemplo, não é tratada como desvio moral, mas como consequência prática de uma estrutura que exige sucesso imediato, mas não fornece meios sustentáveis para alcançá-lo. O filme recusa julgamentos fáceis: não santifica nem demoniza seu protagonista. Apenas o observa — com atenção, com afeto, com a honestidade de quem sabe que uma vida não se define por escolhas isoladas, mas pelas condições em que elas são feitas. Rob não é símbolo nem mártir. É um jovem que amava sua mãe, acreditava na educação e, ainda assim, terminou tragado por uma engrenagem que não perdoa os que oscilam entre mundos opostos.

Não há mensagem de superação, não há redenção tardia. O que fica é um silêncio denso, como se cada cena fosse um lembrete do quanto a meritocracia falha ao ignorar contextos. Rob Peace é um desses casos que deveriam ser celebrados, mas que, no fim, tornam-se advertência. E o filme tem a coragem de não transformar essa advertência em lição de moral. Ele não quer ensinar — quer expor. E expõe com uma franqueza que raramente encontra espaço no cinema que se debruça sobre trajetórias reais.

A recepção do público, nesse sentido, parece entender algo que parte da crítica hesitou em reconhecer. Com aprovação altíssima entre espectadores, “Rob Peace” encontrou eco justamente onde mais precisava: nas pessoas que, assim como o protagonista, convivem diariamente com a fratura entre o que se espera delas e o que lhes é permitido alcançar. Talvez por isso o filme tenha provocado tantas reações emocionadas. Não é difícil enxergar um Rob entre conhecidos, vizinhos, parentes. E, ao vê-lo retratado com dignidade, complexidade e sem maquiagem, há uma espécie de alívio melancólico — como se, por fim, alguém tivesse prestado atenção.

Não há fechamento redentor. O que permanece é uma inquietação legítima: quantos Robs ainda estão à beira do abismo, agarrando-se a sonhos que o sistema insiste em negar? Quantos talentos se perdem porque não há margem para falhas, não há rede para quedas, não há tempo para respirar? O filme não responde. Mas obriga a perguntar. E talvez seja exatamente essa a sua maior virtude.

Filme: Rob Peace
Diretor: Chiwetel Ejiofor
Ano: 2024
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★