Enredos sobre temas brutais nem sempre são atrozes, e essa é outra razão para que despertem o interesse do respeitável público. Torna-se muito mais instigante acompanhar o crescimento de uma história do ponto de vista da total surpresa quanto ao que autor, diretor e elenco querem nos fazer imaginar do que se entregassem tudo de imediato, de bandeja, restando a nós apenas o espanto. As emoções mais primitivas ficam à flor da pele, e fazem-nos reféns dos próximos desdobramentos da trama, que pode muito bem seguir por tantos rumos insuspeitos, inventar sua própria lógica, brincar com as expectativas do público sem a menor cerimônia — e capturá-lo sem chance de defesa justamente por isso. B.J. Novak, o diretor, roteirista e personagem central de “Vingança”, faz tudo isso num filme difícil de ser classificado, indiferente a rótulos e que até tripudia dos anseios do espectador. Novak encadeia uma espiral de blagues nonsense em sequências frenéticas, dando a entender que a trama vai para um lado, enquanto a imbui de um andamento farsesco, até insano em sua saborosa displicência.
Quanto mais bizarro um filme, mais confiáveis têm de ser seus atores, os responsáveis por nos posicionar no lado certo da história, despertar em nós os sentimentos a que precisamos dar vazão, acender as lâmpadas mais opacas do pensamento e, enfim, girar a chave correspondente à mudança. Para tentar se entender a mente de um criminoso, é comum e mesmo recomendável procurar algum traço de humanidade em suas ações. Há diversas linhas de estudos quanto a conjecturar o jeito mais eficaz de se chegar ao íntimo de pessoas que muitas vezes já perderam os possíveis elos cívicos com o mundo exterior, restando no fundo só uma personalidade doentia, sedenta de reparações que só elas admitem como justas.
Ben Manalowitz, um jornalista e podcaster nova-iorquino narcisista de relativo sucesso como articulista da “New Yorker”, toca sua vida de cafajeste profissional até receber um telefonema sobre a morte de Abby, uma garota com quem saiu algumas vezes, por overdose. Ela morava em Abilene, cidadezinha bastante peculiar do oeste do Texas, e é para lá que Ben se dirige, deixando o confortável apartamento em Manhattan nutrido pelas expectativas de um boa história. De um jeito que prima pela originalidade, Novak leva a audiência por um passeio pelas contradições tipicamente americanas, o que se reflete na visão de mundo do protagonista, que se julgava acima do bem e do mal. À Hunter S. Thompson (1937-2005), “Vingança” remexe feridas que teimam em não fechar de um país que poucos atrevem-se a conhecer, muito além do azul e vermelho de democratas e republicanos.
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