Há amores que se instalam em frestas do tempo, alheios ao compasso dos relógios ou às exigências da realidade concreta. Eles não explodem, não irrompem, não irrompem como relâmpagos em noite de tempestade. Preferem insinuar-se como os perfumes antigos, que se deixam ficar no ar mesmo quando seus donos já se foram; ou como certas pinturas que ora iluminam os olhos, ora os afundam em sombras. A sensação que fica é a de um encantamento delicado e irredutível à lógica. É por esse fio que “A Casa do Lago”, dirigido por Alejandro Agresti, caminha. Não como quem busca respostas fáceis, mas como quem escolhe honrar a beleza de certas dúvidas. Sua história não se curva à cronologia nem aos algoritmos da paixão rápida: ela se estende, se desencontra, resiste.
É possível que a solidão contemporânea tenha se sofisticado, mas ela não perdeu sua brutalidade. Acomodada sob a aparência do conforto moderno, ela se infiltra no cotidiano como um sussurro que cresce até se tornar insuportável. Em noites assim, a cama deixa de ser abrigo e vira território hostil, branco demais, amplo demais, frio demais. O corpo se rende pelo cansaço, mas a mente continua à espreita. Nesse estado liminar entre o desejo e a espera, o roteiro de David Auburn, Ji Na Yeo e Eun-Jeong Kim insere dois personagens deslocados em suas próprias rotinas: Alex Wyler e Kate Forster, dois estranhos separados por uma barreira mais inflexível que a geografia — o tempo. A correspondência que travam, mediada por uma caixa de correio e por um tipo de fé quase infantil, confere à trama seu tom mais incomum: ela aposta em encontros impossíveis para refletir sobre o mais humano dos anseios.
Não há intenção de fazer da narrativa um malabarismo romântico. Agresti opta por desmontar os clichês, ou pelo menos contorná-los com alguma leveza, o que por si só já representa um gesto raro dentro do gênero. Em vez de explorar o atrito de personalidades incompatíveis, como se vê em tantas comédias românticas, ele centra sua atenção na incompatibilidade essencial entre dois tempos que não coincidem — mas que, ainda assim, se atraem. Keanu Reeves e Sandra Bullock, mesmo contidos, sustentam essa aposta com uma química que não grita, mas sussurra. Seus personagens são fragmentos de vontades interrompidas, quase como versões alternativas de si mesmos que tentam colar as bordas de uma realidade disforme.
Enquanto o mundo ao redor deles prossegue em sua marcha previsível, os protagonistas permanecem presos a uma arquitetura de memórias e premonições. A casa do lago, com sua estrutura transparente e isolada, funciona menos como locação e mais como metáfora: é a moldura para um tempo suspenso, para um afeto que se nega a obedecer às leis da causalidade. A cada carta, os dois ensaiam aproximações que nunca se concretizam por inteiro — e talvez seja exatamente essa incompletude que sustenta a tensão dramática. Afinal, o amor aqui não é uma conquista, mas uma espera. E esperar, como se sabe, exige uma coragem que nem todos têm.
Esse impulso de procurar conexão mesmo quando tudo conspira para o desencontro talvez explique por que tantos têm se lançado a expedientes improváveis para amenizar o vazio. Há algo de profundamente humano na tentativa de reinventar a intimidade, mesmo que isso envolva desafios absurdos ou esperanças improváveis. O filme, nesse sentido, funciona como espelho para uma geração que, cercada de facilidades, sente-se mais só do que nunca. A pergunta que fica é menos sobre o desfecho — previsível, até certo ponto — e mais sobre o que estamos dispostos a fazer para manter viva a centelha do que ainda não aconteceu, mas que desejamos com a força de uma lembrança.
Talvez “A Casa do Lago” não pretenda ser grandiosa, mas é justamente ao evitar o espetáculo que encontra sua melhor forma. Em vez de apostar em reviravoltas ou efeitos mirabolantes, ela confia na potência das pequenas escolhas. E ao final, quando a camada sobrenatural se confirma, não soa como escapismo, mas como extensão natural de uma emoção que, para sobreviver, precisa operar fora do mundo tangível. O amor, afinal, sempre foi isso: uma ficção em que dois desconhecidos acreditam com convicção suficiente para que ela se torne real.
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