O filme na Netflix com Brad Pitt que vale mais do que 10 livros de autoajuda — e foi indicado a 6 Oscars Divulgação / Columbia Pictures

O filme na Netflix com Brad Pitt que vale mais do que 10 livros de autoajuda — e foi indicado a 6 Oscars

Sob a superfície brilhante dos grandes feitos esportivos, costuma residir uma convenção narrativa confortável: a do herói improvável que, contra todas as probabilidades, vence — se não o jogo, ao menos o público. “O Homem que Mudou o Jogo”, no entanto, opta por dissolver essa fórmula e colocar sob escrutínio a própria estrutura do sucesso. A história de Billy Beane, interpretado com precisão estratégica por Brad Pitt, não é sobre conquistas espetaculares, mas sobre a coragem de contrariar o instinto coletivo num ambiente regido por tradições fossilizadas. Em vez de exaltar a vitória dentro de campo, o filme se detém no terreno menos glamouroso da administração esportiva, onde números ocupam o lugar de heróis, e as grandes jogadas acontecem em planilhas, não em estádios. A aposta de Beane, que rejeita o romantismo do jogo em favor da análise estatística crua, subverte não apenas o modo de gerir um time, mas a maneira como o esporte é contado — tanto nas páginas dos jornais quanto nas telas.

Essa virada metodológica, conduzida por Beane com a ajuda do introvertido Peter Brand (Jonah Hill, em registro cuidadosamente contido), não se dá sem resistência. A chamada “sabermetria” — que trata o desempenho como equação e os jogadores como variáveis — confronta uma cultura arraigada de decisões baseadas em “feeling”, currículo ou aparência. O elenco do Oakland Athletics passa a ser selecionado não por seu brilho anterior, mas por indicadores discretos, invisíveis aos olhos dos olheiros veteranos. A confrontação que se instala entre a lógica cartesiana de Brand e o conservadorismo visceral do técnico Art Howe (Philip Seymour Hoffman) não é apenas institucional, mas simbólica: trata-se da colisão entre uma era que se encerra e outra que tenta nascer em meio ao ceticismo generalizado. E mesmo quando os resultados em campo começam a validar a teoria, o filme insiste em não celebrar o triunfo — preferindo destacar o custo humano dessa disrupção, as demissões silenciosas, os contratos rompidos, os olhos baixos nos corredores.

Mas é precisamente nessa recusa ao sentimentalismo que o filme conquista uma camada inesperada de densidade. Ao não se render ao conforto da vitória absoluta, a narrativa força o espectador a reconhecer o esporte como reflexo de um mercado impiedoso, em que decisões racionais nem sempre produzem reconhecimento, e revoluções silenciosas nem sempre recebem aplausos. A sequência que recria o jogo contra o Kansas City Royals, quando o Oakland atinge 20 vitórias consecutivas com um home run de Scott Hatteberg, poderia ser a consagração do método. No entanto, é filmada com contenção deliberada, como se dissesse: isso é apenas um ponto no gráfico. Não se trata de negar a emoção do esporte, mas de reposicioná-la — deslocando-a do campo para os bastidores, das jogadas épicas para as negociações frias, da glória para a persistência.

Ainda assim, o filme não se sustenta apenas pela ousadia conceitual. Sua elegância técnica reforça a proposta sem jamais a sobrepor. A direção de Bennett Miller opta por uma estética quase documental, em que os espaços carregam sinais de burocracia e rotina, e onde cada enquadramento parece sugerir que as grandes transformações não têm trilha sonora épica, mas se desenrolam entre pilhas de relatórios e telefonemas tensos. A trilha de Mychael Danna, aliás, é um exemplo de como o silêncio pode ser mais eloquente que o excesso — pontuando a narrativa com discrição, nunca invadindo o espaço dramático. É nesse minimalismo que o filme encontra sua força, recusando qualquer artifício que possa tornar a jornada de Beane mais palatável ou idealizada do que de fato foi.

Por mais que suas qualidades técnicas e intelectuais impressionem, o longa incorre em um risco calculado: o de não gerar identificação emocional direta com seu protagonista. Beane é onipresente na trama, mas sua interioridade permanece opaca. Sabemos o que ele faz, não o que sente — exceto, talvez, nos raros momentos com sua filha, quando o rigor cede lugar a uma humanidade hesitante. Essa escolha narrativa pode frustrar espectadores acostumados com personagens que se abrem, choram, se redimem. Aqui, a transformação é interna e quase imperceptível: está na escolha de não assistir ao jogo decisivo, na recusa em aceitar uma proposta milionária, na aceitação de que alterar um sistema, às vezes, é mais valioso do que vencer dentro dele. O clímax não é o ponto final de uma jornada, mas uma pausa consciente antes de uma nova rodada de tentativas.

Há quem diga que o beisebol é um jogo de paciência, de repetições e detalhes — e talvez essa seja a metáfora mais precisa para o próprio filme. “O Homem que Mudou o Jogo” não promete redenção, não busca emoção fácil e não entrega o conforto de finais consagradores. Em vez disso, oferece uma experiência que exige atenção e recompensa o pensamento crítico. Ao transpor para o cinema uma transformação que, à época, era considerada quase herética, o longa assume a responsabilidade de narrar a história de uma ideia — e, por extensão, da resistência que toda ideia nova precisa enfrentar antes de ser compreendida. Seu mérito maior não está no que confirma, mas no que questiona: até que ponto estamos preparados para rever o que chamamos de mérito, talento ou justiça? E o que resta ao sujeito que arriscou tudo, não para ganhar, mas para provar que havia outro jeito de jogar?

Filme: O Homem Que Mudou o Jogo
Diretor: Bennett Miller
Ano: 2011
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 7/10 1 1
★★★★★★★★★★