Filme com Jennifer Garner que levou milhares de espectadores aos prantos, no Prime Video e Telecine Play

Filme com Jennifer Garner que levou milhares de espectadores aos prantos, no Prime Video e Telecine Play

Há filmes que se contentam em confortar. Outros ousam desconstruir o conforto e expor o espectador àquilo que há de mais incômodo e essencial: a dúvida. “Milagres do Paraíso”, ao contrário do que o título pode sugerir, não é um exercício de piedade visual, tampouco um sermão disfarçado de enredo. Sua potência reside justamente na recusa em oferecer respostas prontas — e é nessa recusa que o longa dirigido por Patricia Riggen encontra sua voz mais genuína. Inspirado na autobiografia de Christy Beam, o filme abandona o artifício do milagre como espetáculo para investigar a erosão silenciosa da fé quando confrontada com o insuportável.

O que move a narrativa não é a promessa de cura, mas o esgarçamento da alma materna diante da possibilidade de perda. O enredo se ancora na trajetória de uma família texana cujo cotidiano é violentamente reconfigurado pelo diagnóstico brutal da filha do meio, Anna — vítima de uma rara e incurável enfermidade gastrointestinal. Em vez de construir a história sobre o arco redentor tradicional das produções religiosas, o roteiro de Randy Brown opta por acompanhar o colapso gradual das certezas que sustentavam a protagonista. Christy, interpretada com assombrosa entrega por Jennifer Garner, não é uma mulher em busca de respostas divinas: é alguém em luta contra o silêncio de um céu que já respondeu demais — e agora se cala.

A narrativa desloca o eixo habitual do gênero: não se trata de uma conversão, mas de uma desconversão — um processo de desaprendizagem da fé ingênua, substituída por algo mais doloroso e talvez mais autêntico. Cada consulta em Boston com o excêntrico Dr. Nurko (Eugenio Derbez, equilibrando leveza e sensibilidade) funciona menos como esperança médica e mais como lembrete cruel da impotência dos pais diante da dor dos filhos. A fé, aqui, não se reafirma; ela se desfaz em gestos mínimos, como o cansaço acumulado no olhar ou o silêncio entre orações que não encontram eco.

Riggen evita tanto a estetização do sofrimento quanto a armadilha da mensagem edificante. Quando o milagre enfim acontece — após um acidente que deveria ter ceifado a vida de Anna, mas paradoxalmente a devolve curada —, o filme se recusa a canonizar o evento. Não há música triunfante, nem revelação iluminada: apenas a constatação desconcertante de que algo inexplicável ocorreu. E o que fazer com o inexplicável quando ele contradiz tanto a lógica quanto a desesperança? A obra opta por não domesticar essa pergunta. Em vez disso, a sustenta como ferida aberta, preservando o mistério sem torná-lo moeda de fé.

A fotografia de Checco Varese transita entre dois mundos — o hospital e o lar — sem romantizar nenhum deles. Em ambos, há luz e sombra, rotina e transcendência. A trilha de Carlo Siliotto segue a mesma linha: ao invés de pontuar emoções, escava-as. Há uma contenção que surpreende justamente por se opor ao choroso previsível. E é essa contenção que permite à história alcançar uma densidade rara em filmes do gênero.

A grande força de “Milagres do Paraíso” não está no evento miraculoso, mas no que ele revela — ou esconde — sobre os personagens. Jennifer Garner entrega talvez uma das atuações mais maduras de sua carreira, sem jamais recorrer ao histrionismo. Sua Christy é visceral porque é humana, falha, exausta, mas movida por um amor que desafia qualquer racionalidade. Kylie Rogers, como Anna, não atua como símbolo angelical: ela incorpora a fragilidade com a maturidade desconcertante de quem compreende demais para sua idade. O restante do elenco — incluindo Martin Henderson como o pai silenciosamente resiliente e Queen Latifah como uma amiga inesperada — compõe um ecossistema emocional crível, sem ornamentos.

Mesmo quando flerta com o melodrama, o filme se ancora na ética do testemunho real. O material de origem, escrito pela própria Christy Beam, impede a ficcionalização excessiva e serve como antídoto contra a tentação da espetacularização. O momento em que os verdadeiros membros da família aparecem nos créditos finais não funciona como chancela de autenticidade, mas como convite à reflexão: nem tudo que é inacreditável carece de realidade.

“Milagres do Paraíso” não tenta converter; tampouco nega a fé. Seu mérito está em sustentar a tensão entre acreditar e duvidar, sem dissolvê-la em fórmulas. É, sobretudo, um retrato dilacerante — e por isso tão necessário — da maternidade em sua forma mais vulnerável e incondicional. O milagre, se é que ele existe, talvez não esteja no que acontece com Anna, mas no que permanece em Christy: a capacidade de continuar buscando sentido, mesmo quando todas as explicações falharam.

Filme: Milagres do Paraíso
Diretor: Patricia Riggen
Ano: 2016
Gênero: Biografia/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★