Com sensibilidade e objetividade narrativa, “Você Está Aí, Deus? Sou Eu, Margaret” — ou “Crescendo Juntas” — é como um delicado mosaico de inquietações juvenis, conflitos familiares e dilemas espirituais, mas nunca desvia o foco da narrativa: sua presença serve como contraponto afetivo e ideológico às inquietações da neta, simbolizando a memória e o pertencimento que se entrelaçam com a liberdade de escolha. Kathy Bates constrói sua personagem com uma mistura rara de irreverência e vulnerabilidade, estabelecendo uma ponte emocional entre gerações sem jamais recorrer à caricatura. Sua atuação nos lembra que a identidade é, muitas vezes, negociada entre o que herdamos e o que ousamos questionar.
A direção de Kelly Fremon Craig se destaca justamente por essa escuta atenta aos detalhes que normalmente escapam aos olhos apressados. Ela não está interessada em cenas espetaculares, mas em momentos em que a alma do personagem se revela — num olhar de frustração contida, numa tentativa desajeitada de pertencer, numa oração sem destinatário definido. O que poderia soar banal se torna, sob sua condução sensível, uma ode à complexidade dos sentimentos que nos constituem durante a infância e a adolescência. O gesto mais simples — como o de uma menina colocando um absorvente pela primeira vez — ganha dimensão simbólica e emocional, pois é através dessas pequenas epifanias que o filme constrói sua verdade maior: a de que crescer é um exercício constante de escuta, dúvida e invenção de si.
O roteiro se recusa à tentação de responder às perguntas que levanta. Ao invés de entregar uma jornada de fé com destino claro, prefere acolher o percurso da dúvida como um valor em si. Margaret não termina sua trajetória com uma fé resolvida ou com uma identidade plenamente formada — e é justamente isso que torna sua história tão poderosa. Ao invés de consagrar certezas, o filme celebra a pergunta. E, nesse sentido, reverbera algo muito mais amplo: a possibilidade de existir em trânsito, de habitar o entre-lugar com dignidade, curiosidade e coragem.
Essa recusa do didatismo também se manifesta na relação com os adultos do filme. Nenhum deles surge como portador de verdades absolutas. Pelo contrário: são figuras que carregam suas próprias fraturas, muitas vezes mal resolvidas, e que se relacionam com Margaret não como guias, mas como companheiros de caminhada — mesmo quando erram, quando projetam, quando tentam proteger mais do que escutar. Esse olhar humanizado sobre as figuras parentais e educacionais amplia a força da narrativa, pois espelha com mais honestidade a complexidade das relações intergeracionais. Ao invés de heróis ou vilões, o filme nos oferece pessoas reais, tropeçando ao tentar fazer o melhor com o que sabem.
O que torna “Você Está Aí, Deus? Sou Eu, Margaret” uma experiência tão única é sua capacidade de trabalhar em múltiplos registros ao mesmo tempo. É um retrato de época que jamais se fecha no saudosismo; uma história de amadurecimento que respeita a inteligência de seu público; uma reflexão sobre espiritualidade que rejeita o dogma em nome da escuta interior. Ao final da jornada, o que fica não é uma resposta, mas o valor de ter feito a pergunta — com sinceridade, com ousadia, com o coração aberto.
O filme opta pelo da escuta, da sutileza, da formação que se dá por espanto, por hesitação, por afeto. Em sua delicadeza radical, ele ensina que crescer não é alcançar um ponto fixo, mas aceitar que a busca é, em si, uma forma de fé. E talvez, nesse espaço entre o silêncio da dúvida e o desejo de pertencimento, resida o que há de mais humano.
★★★★★★★★★★