Margot Robbie e Saoirse Ronan estrelam superprodução histórica e épica, sob demanda no Prime Video Liam Daniel / Universal Pictures

Margot Robbie e Saoirse Ronan estrelam superprodução histórica e épica, sob demanda no Prime Video

A adaptação cinematográfica de “Duas Rainhas” mergulha no enredo de uma das disputas mais épicas e trágicas da história da realeza, mas não sem antes distorcer, deliberadamente ou não, as fronteiras entre realidade histórica e dramatização. Ao centrar sua narrativa no confronto entre Maria Stuart, soberana da Escócia, e sua prima Isabel I, rainha da Inglaterra, o filme busca, em sua essência, capturar a intrincada luta pelo poder e a influência dessas duas figuras imponentes. No entanto, a imersão na política e nas traições reais parece se perder em um jogo de licenças artísticas que desafiam a veracidade dos eventos históricos.

Um dos maiores pontos de controvérsia gira em torno da representação do encontro entre as duas monarcas, uma reunião que nunca ocorreu na realidade, mas que é inserida na narrativa para criar um momento de confronto direto. Embora essa escolha tenha como propósito intensificar o drama, ela também serve como um lembrete da forma como o cinema histórico frequentemente toma liberdades para agradar ao público moderno, que parece sedento por momentos espetaculares, mesmo que esses sejam, em grande parte, fabricados. Tal decisão, no entanto, não está isolada; outros filmes históricos, como “Gladiador” (2000),  “Coração Valente” (1995) e “Napoleão”(2024) também foram criticados por manipulações temporais e factuais, mas, neste caso, a modernização dos eventos e das personagens foi um fator ainda mais polarizador.

Além disso, a inserção de um elenco racialmente diverso, à primeira vista uma escolha progressista, foi um dos aspectos mais contestados do filme. A diversidade de atores em papéis históricos tem gerado um debate em filmes e produções teatrais contemporâneas, pois, se por um lado pode ser vista como um reflexo de uma sociedade mais inclusiva, por outro, desafia a autenticidade histórica. A inclusão de personagens que não se alinhavam com a composição racial e social do período levanta questionamentos sobre até que ponto a busca pela inclusão social não desvirtua o caráter da narrativa e prejudica a verossimilhança do enredo. Para alguns, isso se configura como uma tentativa de atender às demandas do “politicamente correto”, mais do que uma escolha artística que acrescentaria à representação fiel dos eventos.

Os aspectos estéticos do filme também geraram discussões. A estética visual, com suas roupas imponentes e penteados chamativos, parece seguir uma linha estilística que não necessariamente se coaduna com os padrões da época. Enquanto isso, a direção de arte opta por exibir uma sensualidade e opulência que, embora atraentes aos olhos, contribuem pouco para a autenticidade histórica do filme. A moda de Maria Stuart e os penteados de Isabel I podem ter sido pensados para acentuar a tensão dramática e a grandeza das personagens, mas, ao mesmo tempo, desafiam a credibilidade do filme como uma recriação histórica genuína.

Porém, o que de fato se destaca no filme são as performances das atrizes principais, Saoirse Ronan e Margot Robbie. Ronan, em sua interpretação de Maria Stuart, oferece uma presença intensa que captura a paixão e os dilemas de sua personagem, embora sua imagem física, longe da descrição histórica da monarca escocesa, possa desorientar alguns espectadores. Sua capacidade de transmitir os conflitos internos da jovem rainha, entre o amor e o dever, é uma das forças do filme, mas a falta de um vínculo mais palpável com a figura histórica deixa a performance com uma sensação de deslocamento. 

Já Margot Robbie, em sua representação de Isabel I, consegue criar uma figura sombria e neurótica que é ao mesmo tempo fascinante e perturbadora. Sua Isabel é uma mulher que, apesar da fragilidade psicológica e das grandes inseguranças, mantém-se no trono com uma força ameaçadora. A atriz consegue transmitir de forma magistral o conflito interior da monarca, mas, tal como Ronan, sua performance se vê limitada por um roteiro que tenta reconciliar a história com elementos modernos e de fácil digeribilidade para o público. Ambas as atrizes brilham individualmente, mas a tensão política e emocional entre elas, o que deveria ser o núcleo da narrativa, parece diluída na tentativa de fazer com que o público moderno se identifique com as personagens.

Em comparação com filmes similares, como “A Favorita” (2018), que também explora as dinâmicas de poder entre mulheres, a produção de “Duas Rainhas” adota uma abordagem mais séria e introspectiva. “A Favorita”, com sua mistura de humor ácido e intriga, é mais ágil e talvez até mais arriscada em termos de estilo e conteúdo, o que oferece uma experiência cinematográfica mais instigante. Por outro lado, o drama de “Duas Rainhas” está impregnado de uma solenidade que, para alguns, faz com que o filme pareça mais substancial, mas ao mesmo tempo mais previsível.

“Duas Rainhas” é um filme que tenta, de maneira ansiosa, fundir elementos históricos com convenções cinematográficas contemporâneas. A busca por uma narrativa que ressoe com o público moderno, mas ao mesmo tempo preserve as complexidades históricas, resulta em uma produção que, apesar de sua grandiosidade visual e dos desempenhos excepcionais de suas atrizes, falha em alcançar a profundidade e a autenticidade necessárias para ser uma recriação fiel de eventos históricos. Ao mesclar o passado com a sensibilidade contemporânea, o filme se vê refém de uma abordagem que compromete sua verossimilhança e, por consequência, sua relevância como retrato histórico.

Filme: Duas Rainhas
Diretor: Josie Rourke
Ano: 2018
Gênero: Biografia/Drama/História
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★