A memória, esse tecido delicado que costura as nossas histórias, é o alicerce sobre o qual erguemos a compreensão de nós mesmos e das pessoas ao nosso redor. Porém, quando ela começa a se desintegrar, ao ser corroída por doenças como o Alzheimer, é como se o próprio fio de nossa existência fosse desgastado. “Nunca Te Esquecerei”, adaptação norte-americana do filme alemão homônimo dirigido por Til Schweiger, traduz essa metáfora de maneira visceral, tocando o espectador com uma sensibilidade rara. No centro da narrativa, Amadeus, um viúvo interpretado por Nick Nolte, travaria a luta mais difícil de todas: a tentativa de preservar aquilo que está lentamente sendo apagado de sua mente. Quando acolhido pela família do filho em Londres, ele não apenas desorganiza a rotina já abalada do casal em crise, mas acende uma chama de emoção que atravessa as barreiras do tempo, do luto e do esquecimento.
A relação entre Amadeus e sua neta Tilda, interpretada por Sophia Nolte – filha do ator Nick Nolte – constrói uma narrativa que transcende a tragédia da doença, adotando um olhar infantil de resiliência e descoberta. Tilda, longe de ver o avô como um peso, decide resgatar a memória dele, iniciando uma jornada até Veneza, cidade onde Amadeus viveu um dos maiores amores de sua vida. Ao fazer essa travessia emocional, Tilda não busca apenas reviver memórias, mas reconectar-se com o avô em um nível mais profundo, onde o Alzheimer não tenha poder para apagá-las. Ao longo dessa jornada de pequenos milagres e grandes revelações, o filme converte a perda em um processo de renascimento emocional. A tentativa de restaurar o passado de Amadeus se torna, assim, uma alegoria do luto: uma tentativa constante de segurar algo que inevitavelmente se perde.
Mesmo sendo uma produção anglófona, “Nunca Te Esquecerei” conserva o espírito europeu que originou a sua concepção. O filme não se deixa seduzir pelas convenções do entretenimento superficial. Em vez disso, adota um ritmo pausado e sensível, onde os silêncios se tornam tão significativos quanto as palavras. A fotografia de René Richter captura a fragilidade das memórias de Amadeus em tons de sépia, criando um cenário de nostalgia envolvente e comovente. O trabalho de figurino de Metin Misdik acentua a tensão entre o imaginário e a dureza da realidade, mostrando como a vida cotidiana se mistura com os momentos fugazes de fantasia. No entanto, o filme não esconde o riso, ainda que seja nervoso e desconfortável. O humor ácido que permeia as situações envolvendo Amadeus — desde o armazenamento de frangos no armário até o incidente com a geladeira — leva o espectador a confrontar sua própria impotência diante da progressiva perda de identidade do personagem.
O retrato da doença é, portanto, menos uma representação realista e mais uma fábula, rica em metáforas e simbolismos. A analogia do “cérebro cheio de mel”, mencionada por Amadeus, é uma das imagens mais potentes do longa. O mel, espesso e dourado, simboliza tanto a doçura das memórias que se perdem quanto a dificuldade de acessá-las. Quando Amadeus visita Veneza, ainda que já confunda nomes e lugares, é perceptível que a jornada não busca o realismo, mas sim a evocação de um sentimento: o afeto como último bastião de identidade quando o resto se desintegra.
Muitas críticas apontam a falha do filme em retratar o Alzheimer de forma mais técnica ou realista, mas esquecem que o cinema também é um espaço de simbolismo e emoção. A proposta de “Nunca Te Esquecerei” não é simplesmente representar a doença, mas explorar o que resta quando a memória falha: o amor. A busca pela reconciliação é o eixo do filme, e o afeto se revela como um recurso para enfrentar o intransigente avanço da doença.
Apesar de suas falhas — exageros e situações improváveis que podem parecer forçadas — “Nunca Te Esquecerei” encontra sua potência nas imperfeições. Elas refletem o próprio processo de luto vivido por aqueles que cuidam de alguém com Alzheimer, que enfrentam a perda contínua e silenciosa de uma pessoa à medida que ela desaparece, não de uma vez, mas em pedaços. O filme nos ensina que, às vezes, são as ações simples, como levar um ente querido ao local onde uma vez foi feliz, que nos permitem preservar a dignidade humana. A atuação de Nick Nolte traz uma fragilidade devastadora, mas também uma generosidade imensa, e Sophia Nolte, em sua interpretação cheia de maturidade, nos lembra da beleza que ainda pode ser encontrada nas situações mais dolorosas.
“Nunca Te Esquecerei” não é apenas sobre o Alzheimer — é sobre a memória que persiste e o amor que sobrevive. É um lembrete de que, mesmo diante do esquecimento, há algo de imortal na maneira como tocamos uns aos outros.
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