Num filme que escava lentamente o subsolo das relações humanas para revelar seus mecanismos mais corrosivos, Catherine Corsini encena, em “Um Amor Impossível”, um embate silencioso entre desejo e hierarquia, ternura e poder, maternidade e exclusão. A história se insinua com suavidade — um flerte entre uma datilógrafa judia e um tradutor encantado por sua própria inteligência —, mas o que parece uma crônica sentimental logo se desconstrói sob a lógica cruel das castas sociais e dos códigos patriarcais que ditam o valor de um corpo, o peso de um nome e os limites da aceitação. Philippe, com sua retórica de Nietzsche de bolso, não é apenas o amante esnobe de Rachel; é o arauto de uma França que tolera a alteridade desde que esta permaneça em seu devido lugar — admirável, mas não igual.
Com notável precisão, Corsini reorienta a narrativa a partir de um ponto que, em outro contexto, marcaria o ápice da história: a chegada de uma criança. Em vez de encerrar a trajetória do casal no nascimento de Chantal, o filme a reinicia sob novas coordenadas — agora centrado na experiência solitária da maternidade. A ausência de Philippe, mais do que física, é institucional: ele nega o nome, a coabitação, a legitimidade. Rachel, empurrada para os bastidores da família que tentou construir, passa a viver não apenas à margem de um sistema jurídico, mas de uma cultura que valoriza o sobrenome masculino como selo de pertencimento. Sua luta, portanto, não é apenas pelo sustento da filha, mas contra uma estrutura simbólica que lhe nega até mesmo a chance de errar. Corsini filma esses anos com contenção extrema, permitindo que o desgaste do tempo se revele no cansaço dos gestos, na erosão dos vínculos, na resistência obstinada de uma mulher que, mesmo esquecida, recusa-se a desaparecer.
É quando Philippe retorna, anos depois, que o filme instala sua zona mais delicada: a disputa tácita pela alma de Chantal. A adolescente, faminta por referências que transcendam a clausura materna, vê no pai um emissário de mundos distantes — viagens, livros, conceitos. Mas essa introdução ao universo simbólico paterno vem acompanhada de manipulações sutis, reescritas afetivas e uma espécie de chantagem intelectual. Rachel, que sustentou a filha com o real, é subitamente confrontada com o encantamento do ideal. A direção de Corsini brilha ao capturar essa tensão sem maniqueísmos, evitando a facilidade de vitimar ou demonizar. Em vez disso, o filme propõe um embate entre duas formas de amor: uma, cotidiana e sacrificial; outra, encantadora e esporádica, mas carregada de promessas falsas. As escolhas de Chantal, narradas por ela mesma em registros que ecoam a prosa crua de Christine Angot, não pedem julgamento, mas escuta.
O texto que inspira o longa, derivado da autobiografia ficcionalizada de Angot, encontra aqui um território de difícil adaptação: como transformar a denúncia íntima em dramaturgia sem cair na armadilha do sensacionalismo? Corsini responde com rigor. As revelações do terceiro ato, que poderiam facilmente colapsar o filme em uma catarse lacrimosa, são conduzidas com uma frieza cirúrgica. Não há ali espaço para o grito ou para a lágrima ornamental — apenas o silêncio devastador das palavras que faltaram no passado e que agora já não têm potência reparadora. Nesse sentido, o filme se afasta do melodrama não pela ausência de sofrimento, mas por recusar-se a organizá-lo em chave emocional previsível. Mesmo as cenas de confronto, como o embate final entre Rachel e a filha adulta, não oferecem resolução, apenas um reconhecimento tardio das fronteiras intransponíveis que se instalaram entre elas.
A força dessa narrativa reside, em última instância, na entrega absoluta de seus intérpretes. Virginie Efira constrói sua personagem com um tempo interno admirável: do encantamento juvenil à resignação madura, cada nuance é metabolizada em camadas que resistem à linearidade. Niels Schneider, por sua vez, imprime em Philippe uma ambiguidade irritante e plausível — é possível entender por que Rachel se encantou e, com a mesma clareza, por que sua presença se torna uma ameaça. A escolha de Jehnny Beth para viver Chantal adulta completa o triângulo com exatidão, adicionando uma dimensão quase política à sua performance: a de uma mulher que precisou romper com sua origem para sobreviver à história que herdou. A fotografia em widescreen, que poderia parecer um luxo visual, é, na verdade, uma moldura para o isolamento — os personagens estão quase sempre separados por diagonais, portas entreabertas, janelas que espelham a distância.
Se “Um Amor Impossível” perturba, é porque escolhe não consolar. O filme não oferece redenção nem reencontros apaziguadores. Escolhe, ao contrário, desenhar com rigor a anatomia de vínculos partidos por forças que vão muito além da vontade individual. Cada gesto, cada omissão, cada palavra dita a contragosto compõe um retrato de brutalidade civilizada, onde o amor — longe de ser impossível por capricho — é constantemente impossibilitado por um sistema que concede o afeto como privilégio, nunca como direito. É nesse terreno incômodo que Corsini opera com rara firmeza: entre o que poderia ter sido e o que nunca teve chance de acontecer.
★★★★★★★★★★